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Uma Noite Sem Saber Nada

L, você está me ouvindo? Porque eu não te vejo.

Por Ciro Araujo

Durante o Olhar de Cinema de 2022

Uma Noite Sem Saber Nada

“Uma Noite Sem Saber Nada”, novo filme da diretora indiana Payal Kapadia é uma obra complicada de ser criticada. Não por ser necessariamente complexo, mas por possuir contextos complicados mesmo que semelhantes à realidade brasileira. O longa selecionado para a quinzena de realidades, muito por conta de sua coprodução francesa, traz através de uma tela escura e ruidosa, a voz melancólica da suposta personagem “L”, sem mais nenhuma identificação, mensagens sobre suas dores e pensamentos durante protestos da FTII (Film and Television Institute of India). A cineasta já de antemão adverte: “Tenham paciência com o filme”. De fato, é necessário, já que no final das contas ele é nada mais que uma espécie de slow-burning, ou seja, que ao decorrer de seu tempo ele comece a construir forma e clímax.

As ruidosas imagens já nos revelam na verdade o sentido do melancolismo inserido dentro da obra, em mensagens perdidas reveladas nos relatos encontrados. “L” foi achada dentro de uma caixa no Instituto, que a transforma como uma Anne Frank. Suas cartas são poéticas, distribuem o momento de incerteza dentro do que é um ato de ocupação realizado. Se previamente no texto existiu a comparação com a falta de simpatia por se passar em Pune, India, ainda há também as similaridades com nosso país. A mobilização estudantil em 2016, que fechou universidades, institutos e escolas por dias torna toda o espectro do caminhar no documentário como retrospectivo. As reações são comparáveis, a resistência é similar, a opressão é idêntica; apenas os motivos estão longe de sintonia. Se durante a narração, quieta e insólita, a atuação que interpreta “L” (a voz é da atriz Bhumisuta Das) é contrariada pela pulsão de revolta através das imagens apresentadas. São visões de ocupações do espaço, da descompressão que move entre gritos e estudantes que contrariam ante opressão. Jovens, cheios de energia, que acreditam na solução através de se manifestar e expressar sob a pressão popular. Novos adultos que ainda estão se frustrando através da frustração e injustiça de um sistema que atua contra eles desde cedo. Mas, um povo que acompanha mudanças pela primeira vez, portanto ainda se justifica esse modus operandis.

Em vez apenas da montagem, o filme se interessa pela sua edição em si. O quadro é recolorido e inserido no escuro, em combinação com as várias cenas noturnas. O ar soturno flui através da narração e o preto visual, que determinam um ritmo antagônico do comum contemporâneo. Se a sequência tradicionalmente seria narrada, cortada e mutilada, agora em “Uma Noite Sem Saber Nada” permite o tempo alongar-se via usos de ruídos não apenas visuais como sonoros. O alto uso de white noise (ruído branco, isto é, o som ambiente captado em lugares silenciosos) é enaltecido e comumente associado ao estado etéreo performado na obra. É um filme que gosta de “cozinhar” sua forma e assim desacelerar o espectador, oferecendo a experiência totalizadora melancólica.

Pasolini e outros cineastas imediatamente são citados. Sim, claro que são, estudantes de cinema, a relação encontrada por Payal Kapadia possui sua lógica, mas que é contemplada por uma interpretação mais próxima do esquisito e de falsa interpretação. Por exemplo, o diretor italiano é comparado por uma citação antiga, a respeito de policiais. A lógica do filme indiano é de contrariar e levar ao literal o pensamento, quando na realidade trata-se da compreensão do autor de “120 Dias de Sodoma” do policial como parte da sociedade na qual ele próprio oprime. Os devaneios aplicados, mesmo que uma adaptação das cartas originais de “L” sofre o processo mutagênico da montagem e deliberação. A complicação encontrada transtorna seu próprio processo de fluir através do antes proposto ritmo.

Eis que “Uma Noite Sem Saber Nada” encontra sua maior dificuldade: engajar através de devaneios de uma estudante não identificada. As frases cansadas que a diretora Kapadia propõe parece estar distante de uma realidade brasileira que absorva do modo correto. Ela pede paciência, de fato, mas como ela pode ser encontrada quando o cinema não cria empatia? As cenas, de fato, são caóticas e horripilantes, fantasmagóricas. Contudo, o processo de conexão que a comunicação supostamente permitiria não está aqui. É uma pena que a obra indiana não aproveite de seus (piores) melhores momentos, como é visto em uma cena de estudantes violentados por policiais que invadem uma ocupação. Ao final, seu maior erro: cenas de danças, um relento para o medo retratado nas cenas escuras anteriores. Difícil assistir estudantes dançantes como se possuíssem coragem quando o horripilante foi jogado para nós momentos antes.

2 Nota do Crítico 5 1

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