Tudo Sobre Maya Deren e as Pioneiras do Cinema no Rio
A peça-filme-peça dirigida por Patricia Niedermeier e Cavi Borges estreia hoje palco, tela e exposição no saguão do Estação Net Rio
Por Fabricio Duque
Unir cinema e teatro não é uma invenção recente. Desde o “teatro ótico” de Reynaud em 1888, passando por “Orpheu” (1912), de Gluck, “La Victoire sur le soleil” (1913), de Malevitch, pelos “palcos cinéticos” de Edward Gordon Craig, essas duas artes fundem-se para potencializar uma experiência transmídia mais imersiva nas sensações de seu público, libertando assim os signos teatrais com a “recepção de imagens cênicas, na percepção do espaço imagético”. A explicação quem escreve é a doutora em Letras da PUC-Rio, Gabriela Lírio Gurgel Monteiro, em seu artigo “Teatro e cinema: uma perspectiva histórica”. “Ao produzir relações com as imagens da cena, o espectador deixa de lado uma postura passiva de recepção de signos visuais e passa a produzir outras imagens, provenientes da articulação da observação do fluxo narrativo e da autoria de novos sentidos, ritmos, sons que o audiovisual perpetra, revelando-se o interesse pelo fragmento e provocando no espectador, em alguns casos, a sensação de que é apenas o presente que interessa, que suscita apreensões fugazes das imagens no momento de sua projeção, imagens descartáveis, consumidas sensorialmente.”, complementa.
Tudo isso estimulou Cavi Borges e Patricia Niedermeier, dupla parceira casada no amor e no trabalho, a construir um modelo carioca dessa transmídia, juntando cinema, teatro, público, dança, balé moderno, música e cinefilia orgânica (aquela que busca a mais genuína da memória afetiva). Aqui, a paixão acorda a catarse que acorda a paixão. Não se sabe o que veio primeiro e, na verdade, não importa, porque o que é apresentado é a arte em movimento e em processo. Essa criação está integrada, atravessada, ramificada, retro-alimentada e co-dependente. Não há separação de importância, tampouco de hierarquia de poder. A primeira peça-filme-peça, como foi nomeada essa forma, começou com “O Censor”, texto, escrito dramaturgo inglês-escocês Anthony Neilson, associado ao “teatro da face”. Depois, a dupla, ao lado do crítico Rodrigo Fonseca, inventaram mais moda: ressignificar em gênero, número e grau o realizador francês François Truffaut com “O Cinema é Minha Vida”, que, por sua vez, teve versão cinematográfica, mas não de peça filmada. Gabriela, lá de cima, usa Bazin para tentar explicar esse porquê. “A adaptação do teatro ao cinema tem de enfrentar — e, principalmente, superar — as dificuldades impostas pelas palavras que são travestidas de formas e ritmos próprios, nem sempre condizentes com as imagens transpostas à tela”.
Agora, em 2023, Patricia e Cavi trazem outra Peça-Filme-Peça, “Maya”, sobre a realizadora Maya Deren. Nesta, a proposta performer transcende a própria catarse ao despejar em cena e em tela uma “cachoeira” de emoções, evocando Humberto Mauro, o mais apaixonado por criação de imagens da História de Nosso Cinema. Baseado no texto de Joaquim Vicente, que retoma a parceria com Cavi Borges, após “Uma Peça Para Fellini” com Marcia do Valle; pois é, digo baseado, porque o roteiro aqui ganha vida própria, liberta-se das amarras e convenções, tudo para ser tornar único, pessoal e não definitivo. “Maya” não só quer respeitar a essência da diretora ucraniana, como quer acima de tudo eternizá-la. Tive o prazer de assistir à peça-filme-peça no ano passado, em apresentação única, no Sesc Palácio Quitandinha, em Petrópolis, parte do projeto Argumenta. E ensaio, livremente, a dizer que o espetáculo é um convite-permissão a viver nossa paixão-loucura pelas imagens. É um ponto de umbanda. E de vodu. É uma viagem ao tempo para reencontrar a alma de nossos ancestrais. É uma experiência de possessão transemocional. “A peça também é uma homenagem a todas as cineastas Mulheres apagadas na história”, declara Patrícia.
Mas quem foi Maya Deren? A realizadora é (nunca foi, porque suas formas e ideias continuam mais do que vivas e reverberadas por cineastas modernos) uma das mais importantes diretoras de cinema. Nascida Eleanora Derenkovskaya, em 29 de abril de 1917, na Ucrânia, Kiev (durante o Império Russo), mas sua carreira aconteceu mesmo nos Estados Unidos. Considerada uma realizadora experimental por explorar possibilidades cinematográficas de luz e ângulos de câmera, Maya deu à sétima arte uma decisiva potência artística, não só por quebrar tabus da época por ser uma mulher, mas também por imprimir temas mais profundos da alma humana. Judia, foi atriz, realizadora de cinema, bailarina, música, montadora, coreógrafa, poetisa, fotógrafa, escritora. Estudou no internato na Suíça, período que estudou francês, alemão e russo, e, depois, foi estudar Ciência Política e Jornalismo nos Estados Unidos, tornando-se membro da organização trotskista Liga da Juventude Socialista. Mestranda e literatura inglesa e poesia simbolista. Em 1941 torna-se assistente pessoal da coreógrafa-dançarina-antropóloga Katherine Dunham, pioneira da dança negra e autora, em 1936, de um estudo antropológico sobre o Haiti. Deren aproveita a pequena herança de seu pai para comprar em segunda-mão uma câmara Bolex de 16mm, que ela e Hammid usaram para realizar o seu primeiro – e mais famoso – filme, “Meshes of the Afternoon” (1943), em Hollywood. O filme preparou o terreno para os filmes americanos de vanguarda dos anos 40 e 50 e é reconhecido como um marco incontornável do cinema experimental. Tanto que em 1947, Maya recebe o Grande Prêmio Internacional para Filmes de 16mm – Classe Experimental no Festival de Cinema de Cannes.
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Mas seu transemocional cinema começa mesmo com o Vodu do Haiti. Entre 1947 e 1955, Deren passa aproximadamente 21 meses no Haiti, filmando rituais e danças Vodu, mas também participando neles, a ponto de adoptar a religião Vodu e de ser iniciada como sacerdotisa. O material resultou no “Haitian Film Footage” (que demorou e só teve seu término pelos montadores Teiji Ito e Cherel Winett em 1981, vinte anos depois da morte de Deren). Maya Deren, sob a tutela do mitologista Joseph Campbell, escreveu um estudo etnográfico, detalhado e sem precedentes, sobre a religião Vodu, intitulado “Divine Horsemen: The Living Gods of Haiti” (1953), considerado fonte incontornável sobre o assunto.
Maya Deren morreu de Hemorragia intracerebral em 13 de outubro de 1961 em Nova Iorque. Talvez a causa de sua passagem ao mundo eterno possa ser explicada pelo excesso de pensar. Pelo excesso de criar. Em seu livro “Ecrits Sur l Art et le Cinema”, Maya escreve que seu processo mental é constante e teórico. Nunca se desliga. Sim, ela enaltece a máxima popular, que cada vez ganha mais força hoje em dia, que é o de amar o processo. Que o caminho é mais desafiador, pulsante, interessante e necessário que o próprio objetivo conseguido. É, sim, pois é, aqui, a dupla de diretores, a atriz responsável, o dono do texto e colaborador cinéfilo Filippo Pitanga tiveram trabalho para colocar Maya no Teatro e no Cinema, mas não pela pretensão de uma literal tradução, e, sim, uma desconstrução informal da ideia fã ideológica de ser Maya Deren. Confesso que, após o espetáculo que aconteceu na Serra do Rio de Janeiro, nunca mais fui o mesmo. Entendi (e percebi) que não tenho controle de minhas emoções. Nem Patricia. Nem Cavi. Nem Joaquim. Nem Filippo. Nem Maya Deren.
“Maya” estreia hoje, dia 21 de janeiro de 2023, que por coincidência ou não, é o mesmo Dia Mundial da Religião, às 21:30 no Saguão do Estação Net Rio, em Botafogo, Rio de Janeiro. Paralelo e seguindo o propósito Transmídia, o público poderá conferir também a exposição “Pioneiras do Cinema”, na Lojinha Cavideo, localizada dentro do Estação Net Rio (saiba mais abaixo). Com produção executiva de Marcos Arzua, produção de Marina Trindade, Video Mapping de VJ 18, Foto do poster de Verônica Peixoto e Poster de Gleisson Dias.
SOBRE A EXPOSIÇÃO PIONEIRAS DO CINEMA NO RIO DE JANEIRO
CONFIRA AS FOTOS DA EXIBIÇÃO DO ESPETÁCULO NO SESC QUITANDINHA
SERVIÇO
Peça-Filme “Maya”
Estreia dia 21 de janeiro de 2023 até Abril de 2023
Todo sábado, às 21:30
Local: Saguão do Estação Net Rio
R. Voluntários da Pátria, 35 – Botafogo, Rio de Janeiro – RJ, 22270-000
Telefone: (21) 2226-1986
Preço: R$ 20,00
Exposição “Pioneiras do Cinema”
De 21/01 a abril (concomitantemente à peça-filme)
Gratuita
Local: Lojinha Cavideo no Saguão do Estação Net Rio
R. Voluntários da Pátria, 35 – Botafogo, Rio de Janeiro – RJ, 22270-000
Telefone: (21) 2226-1986