Mostra Um Curta Por Dia 2025

Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais

Novas vidas privadas e suas questões tabus do dar e comer

Por Fabricio Duque

Assistido durante a Mostra CineMina 2024

Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais

É muito satisfatório e esperançoso de se saber que as obras de Domingos Oliveira ainda ecoam forte em novos cineastas. Exibido na Mostra CineMina, que aconteceu no ano passado no Estação Net Botafogo, “Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais” não só traz o frescor orgânico do dramaturgo escritor, como ressignifica a atmosfera idiossincrática e surreal das narrativas de seus filmes por uma modernidade coloquial e de naturalismo verbal, especialmente a do filme Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, que aqui ganha uma continuação “refilmagem”, com um que spin off, por trazer muitas sacadas espirituosas cômicas do longa anterior de 2008. Sim, a essência de Domingos é a ideia falada, em verborragia da verdade instintiva, como um fluxo de pensamento brainstorming, muitas das vezes em monólogos. Assim quando essas palavras saem personificadas quase como uma sessão de terapia confessional de emoções universais, em que tudo é permitido por estar num subconsciente intrínseco e especificamente subjetivo e de razão particular. 

E dessa forma, a jovem cineasta da vez, a estreante na direção de longas-metragens, Renata Paschoal, bebeu com vontade nas formas expressivas de Domingos: a de construir uma narrativa pela comédia de situações corriqueiras, banais e cotidiana da vida, e de mesclar suas características de nostalgia, classicismo e lembrança com modernidade no cotidiano possível e conseguiu imprimir nesta obra uma versão “homenagem” (até o gato do filme leva seu nome), mas com muita identidade própria. O filme é apresentado por esquetes de homens e mulheres com “problemas sexuais”, e de alguma “sinapse fora do lugar”. Essas questões são humanizadas e tratadas como consequências genuínas de toda e qualquer existência do ser enquanto um indivíduo social. “Todo Mundo (Ainda) Tem Problemas Sexuais” quer também se firmar como estudos de caso, em crônicas intimistas, buscando não respostas, mas provar o desejo pela reincidência e pela animalidade irracional do desejo, como por exemplo por cenas de animais na natureza selvagem buscando namoro para fazer sexo com suas “presas”. 

Em “Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais”, em quatro histórias curtas, independentes e corais, que além de trazer o universo de Domingos, também ensaia com o humor do Porta dos Fundos (talvez pela presença da atriz Letícia Lima no elenco), não há espaço para moralismos, maniqueísmos e para “brigas” contra os sentimentos super naturais da obsessão do amor, da inveja e das crises consequentes. Esta é um obra contra a caretice, a aparência e a hipocrisia, que incorpora “ideias” como o “terceiro elemento” e o relacionamento à três, o “viagra”, o “gatorade de piroca”. E claro que há dezenas de piadas de “quinta série”. Há também um que de insanidade real de Woody Allen, que nosso cineasta homenageado sempre era considerado uma versão tupiniquim, por causa de sua atmosfera de psicológico coloquial, mais surtado, mais neurótico, mais eufórico, mais apático, beirando a loucura editada e mensurada pelo próprio ser que a possui. Na psicanálise, Freud dizia que o indivíduo complica o básico e o simples para ter material para usar na terapia, como se fosse um ciclo vicioso de prisão-libertação. Talvez só isso explique os ininterruptos “pensamentos invasivos” e auto-destrutivos dos seres humanos. 

“Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais” é assim: usa esse básico e a leveza para aprofundar questões universais que ninguém está imune de sentir. Cada esquete aqui representa um dos pilares dos inconstantes “desvios” mentais e nos mostra, como uma parábola, que é impossível ser fiel a calmaria do casamento se nós estamos diariamente em movimento. É um paradoxo: “comer a mesma comida a vida toda sem experimentar outras gastronomias”. Garanto que o Porta dos Fundos teria uma resposta direta sobre isso e diria que é porque alguém “amigo da Igreja” sofreu uma decepção amorosa e resolveu “incluir isso nos mandamentos divinos” (que nos limitaram dentro uma caixa, esta que nos impede de vivenciar novidades). Aqui nos é dito também que novas experiências, com maior afinidade, trocam o ensaio do antes pelo prática real do agora. De uma “curiosidade” que virou “mais alguma coisa”. Sim, nós sentimos cada dor como se fosse nossa, visto que também já sofremos por amor, já ficamos deprimido e/ou com “dúvida” em escolher as “regras” (“colocar a cu para jogo”). 

“Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais” é acima de tudo uma epifania madura. Uma catarse da transformação. De algum acaso que resolveu “dar uma ajudinha” porque essas personagens estavam acomodadas e  “empurrando demais a vida com a barriga”, numa “millencolia” (a melancolia da geração millennium). Domingos sempre trouxe uma discussão coloquial sobre desdobramentos do desejo e os limites impostos por uma heterossexualidade tóxica. E assim, “Todo Mundo Ainda Tem Problemas Sexuais”, ainda que no final fique um pouco fora do tom, mais gritado, mais fingido, mais forçado, mais de busca à redenção e com discurso de auto-ajuda, mesmo assim, que jogo esses pormenores como derrapadas orgânicas (desandadas pela própria forma metalinguagem de se viver), o longa-metragem é uma obra para libertar todo mundo do pudor a “comer” e a “dar”. Sejamos livres para “pegar mais experiência”, sem “palpites” dos outros que estão ainda mais perdidos que a gente e ainda mais com problemas sexuais. Quem nunca passou por isso que atire o primeiro viagra! 

4 Nota do Crítico 5 1

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