Mostra Um Curta Por Dia 2025

Tipos de Gentileza

Um filme que testa os limites da humanidade

Por Fabricio Duque

Assistido Durante o Festival de Cannes 2024

Tipos de Gentileza

É, há algo em Yorgos Lanthimos que talvez nunca conseguiremos explicar: essa sua facilidade em construir obras-primas (um filme à frente do outro). Sim, o realizador grego consegue a difícil façanha de naturalizar a estranheza que conduz toda a narrativa, como se esse elemento-artifício fosse captado no próprio ambiente retratado, casual, inerente, excêntrico e dotado das próprias idiossincrasias e vontades do livre-arbítrio, tudo conjugado por um tempo estético à metafísica (com um que de universo paralelo e/ou de sonho vívido) e suspenso da realidade, que o torna ainda mais real, crível, confortável e identificado por quem está de fora, o público, por exemplo. Sim, é inevitável então que cada nova obra cause uma expectativa e uma ansiedade no mundo cinéfilo. E sim, seu nono longa-metragem “Tipos de Gentileza”, exibido na mostra competitiva oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, e que vem para corroborar todas as linhas escritas acima, apresenta-se como um filme de episódios, dividido em três histórias, independentes, mas com os mesmos atores vivendo outras situações. Uma das características desse gênero é a de possibilitar que o público escolha suas partes favoritas, em uma espécie de curtas-metragens, intercalados, mas co-dependentes e subjetivos entre si do melhor ao mais fraco. Aqui em Cannes, o comentário mais ouvido era: “mais um Oscar para Emma Stone, para Jesse Plemons, para Margaret Qualley e para Willem Dafoe”. 

“Tipos de Gentileza” é uma viagem fabular extra sensorial por personagens que vivem situações fora do comum possuídos, ao extremo, por seus existencialismos motores, cognitivos, egoístas e mimados, ora por experimentos sociais, ora por sadismos inerentes a própria personalidade. Nas três histórias, o objetivo final, bem à moda de “Round 6”, está na expansão do limite permitido, de cunho moral e/ou psíquico, e especialmente na corrupção do ser humano enquanto indivíduo social, que, por ambição, faz o que precisa ser feito para a “realização” pessoal. Aqui, a cada “procedimento” de um “Deus jogador” (os “comandos” mórbidos do “chefe” – à la Aristoteles – os “acordos explicados de vida”), aumenta-se o tom surreal das reviravoltas. É aí que vem a pergunta: como um diretor consegue manter seu “padrão” de não sucumbir aos gatilhos comuns de uma estrutura mais hollywoodiana, e ainda seguindo desde o primeiro filme a mesma metodologia da estranheza reinante? “Tipos de Gentileza” brinca e manipula com o elemento surpresa, por exemplo, o filme começa com a música “Sweet Dreams” e o indicativo da morte de RFM (Yorgos Stefanakos). Suas personagens não entendem o motivo, nós espectadores também não. E é aí, neste ponto cartesiano que mora todo o equilíbrio e sentido da trama. 

“Tipos de Gentileza” é também um noir exótico e hipster modernizado ao neon, que se desenvolve principalmente pelos detalhes da direção de arte, pelos ângulos de câmera não convencionais e pelas músicas, como a gótica. Um dos exemplos é conjugar arte clássica com contemporânea, como o capacete de Airton Senna. Nos vem outra pergunta: por quê? Cada vez percebemos mais um que livre de Quentin Tarantino, de querer inserir objetos muito provavelmente pelo gosto pessoal do próprio diretor, entre insetos, animais e “papo de doido”. E sim, o filme também soa como episódios de “Black Mirror”. Como já foi dito, “Tipos de Gentileza” é um bizarro e psicológico jogo awkward de querer imediato, de decisões não qestionadas, em que um simples não, perde-se tudo, cujo prêmio está na humilhação e nas “medidas drásticas”. Nas formalidades, estimulando obsessões, confrontos, loucuras e reações infantis de impulsivas vinganças ingênuas. Cada uma das três esquetes busca traduzir o lado mais sombrio das almas humanas, “voando” ou “comendo um sanduíche”.  

É incrível como “Tipos de Gentileza”, que tem roteiro de Yorgos e Efthimis Filippou, não perde o ritmo, conservando a natural atmosfera de estranheza coloquial e potencializando o nível dos delírios. Sim, mais um filme de Yorgos Lanthimos que “buga” nossa cabeça. Talvez pelo robô. Talvez por toda a condução de suas personagens pragmáticas em uma das três esquetes. Como também foi dito, este filme de episódios acaba por gerar favoritos. Para mim, os dois primeiros são impecáveis e irretocáveis, mas senti que o último apela um pouco mais a todo esse surrealismo alimentado. Não é ruim, de forma alguma, mas soa mais forçado, mais didático e tendo seus diálogos mais expositivos. Mesmo assim, o mais fraco dos três consegue ser muito bom, entre abuso e a “boa morte”. Sim, estas linhas  buscaram até agora não revelar nada e não dar nenhum spoiler, visto que a maestria do filme está na surpresa, em fazer o público sair completamente das zonas de conforto.

4 Nota do Crítico 5 1

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