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A Esposa de Tchaikovsky

A fofoca por trás da História

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2022

A Esposa de Tchaikovsky

Há filmes que, independente de serem bons ou não, germinam curiosidades e o interesse de conhecer mais as “fofocas” entrelinhas da História. “A Esposa de Tchaikovsky” é um deles. Dirigido pelo russo Kirill Serebrennikov (de “Verão”, “O Estudante”, “Traição“), o integrante da competição oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2022 aborda intimidades de Piotr Ilich Tchaikovsky Interpretado pelo ator americano, majoritariamente de seriados televisivos, Odin Lund Biron), compositor russo do período romântico. Por mais que a narrativa de seu realizador dissidente (o que criou um burburinho – especialmente neste momento de guerra e deste festival posicionar-se contra a Rússia, colocando inclusive uma live-discurso do Presidente da Ucrânia) seja mais de novela convencional (optando pelo básico do básico em sua edição, que praticamente mitiga os silêncios – visto que a trilha-sonora clássica acompanha todo o longa-metragem de 153 minutos), a primeira coisa que o espectador faz ao sair da sessão é querer ouvir os concertos do artista que nasceu em 1840 e faleceu de cólera aos 53 anos. A outra é o próprio foco do filme: a homossexualidade de Tchaikovsky versus as consequências em sua mulher, Antonina Miliukova (papel vivido pela atriz russa Alyona Mikhailova, também de televisão), esta inocente que realmente acredita que mudará o marido (de “gênio forte” e não “sociável”), pressionado (e sufocado), ao casar.

“A Esposa de Tchaikovsky” busca abordar mais um ponto fundamental: a questão patriarcal do divórcio (porque à mulher a decisão só sai quando assume infidelidade ou prova as sugestivas práticas “imorais” de seu marido). “Os eventos afetam o hoje”, embasa com o texto inicial do filme. Só que se fuçamos a realidade, nós perceberemos que Serebrennikov quis assumir a superficialidade de sua trama, cuja mise-en-scène teatraliza com pré-ensaios as cenas, com clichês e maquiagens caricatas. Pois é, não é qualquer realizador que consegue fugir das armadilhas de um filme de época e não parecer um Telefilme. É, infelizmente, o russo daqui até que tenta. O simbolismo da mosca e/ou a câmera livre que passeia pela nata vanguardista de artistas em uma festa são alguns desses artifícios. Não, não é o anti-naturalismo que incomoda, tampouco a crítica da personagem ser a única mulher (uma intrusa) em um ambiente de homossexuais (“Tente ser mais confiante e menos passiva”). E muito menos os constantes movimentos estereotipados (um que de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Não. O que mais aprisiona é a falta de profundidade. Não há vida, nem emoções, o que encontramos é a encenação didática (e mastigada à audiência) de uma naturalidade piegas  (“secreto é o amor”) não naturalista, entre elipses e micro-ações, como a axila cabeluda da protagonista e a ama negra à la “E o Vento Levou…”.

Se a metáfora da mosca fica ofuscada por excesso de repelente na narrativa, “A Esposa de Tchaikovsky” então sofre de tentativas efusivas, como ter amantes à moda “Ninfomaníaca” e/ou dizer que “mentiras são fáceis de acreditar”. É, efeitos demais e trabalho de menos. Mas é preciso confessar que essa cena do cafetão gay com a mulher de Tchaikovsky representa talvez a melhor do filme. Serebrennikov tinha tudo nas mãos, mas escolheu abordar a fofoca. A questão histórica da mulher de Tchaikovsky (“uma idiota enlouquecida”, como era chamada) é muito mais interessante que qualquer apelação a tretas da intimidade que ganha figuração pública. Tchaikovsky propôs então casamento (ainda que não estivesse apaixonado), a fim de “agradar sua família e acabar com quaisquer rumores sociais sobre sua orientação sexual”. Talvez a grande questão do filme tenha sido mesmo a falta de liberdade criativa. “Tchaikovsky’s Wife” opta por se engessar, por construir reviravoltas aprisionadas dentro de um modelo de cinema “zona de conforto”.

Na coletiva de imprensa oficial do filme aqui no Festival de Cannes, Kirill Serebrennikov disse: “Tchaikovsky tornou-se um grande gênio, e agora a Rússia se orgulha dele, mas o poder tradicional quer esconder os pontos escuros de sua vida – sua sexualidade e que ele era fã da monarquia. Não foi bom para o período soviético. Sua biografia é quase destruída cortando frases de suas cartas e citações. Está tudo danificado por pessoas que vivem nos tempos modernos. É por isso que eu queria contar essa história verdadeira.”. Sim. Essa história deve ser contada e exposta, muito também porque a verdade nunca está dentro, no micro, e sim, está lá fora, no macro. Só que a forma escolhida para “A Esposa de Tchaikovsky” acaba suavizando demais o tema. Serebrennikov, uma última coisa: ter uma câmera é um arma e integrar a competição oficial do Festival de Cannes, o melhor protesto mundial. Nunca tenha medo e se esqueça disso! Tchaikovsky já foi abordado em 2006 no documentário da BBC dirigido por Matthew Whiteman.

2 Nota do Crítico 5 1

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