Superman
Um recomeço luminoso para o Homem de Aço
Por Bê Oliveira
Com o “Superman” de 2025, o diretor norteamericano James Gunn inaugura oficialmente a nova fase do Universo DC nos cinemas, optando por um caminho que há tempos parecia abandonado: a leveza. Diferente das encarnações anteriores que privilegiavam tons sombrios, este reboot aposta em uma abordagem mais esperançosa, vibrante e próxima das raízes do personagem nos quadrinhos. O resultado é uma obra que alia respeito ao legado com uma reinvenção moderada e acessível ao público contemporâneo. A escolha de iniciar a narrativa com Clark Kent já atuando como Superman evita a repetição de sua origem e permite que o filme se concentre em explorar seu papel no mundo atual. O protagonista, interpretado por David Corenswet, apresenta uma performance equilibrada, marcada por sinceridade e carisma. Sua versão do herói reforça a dimensão humana do personagem, retratando-o como alguém que opta por ser bom mesmo diante das contradições de um mundo imperfeito.
A estética visual de “Superman”, caracterizada por cores saturadas e composição simétrica, remete deliberadamente à era clássica do personagem, sobretudo à estética cinematográfica dos filmes dirigidos por Richard Donner. Essa opção pela cor, além de contraste à paleta neutra que marcou a fase anterior da DC, funciona como elemento temático: o filme visualiza esperança, idealismo e clareza moral. A direção de arte, portanto, contribui diretamente para o tom mais leve, porém não menos reflexivo. Já a atriz Rachel Brosnahan oferece uma Lois Lane inteligente e dinâmica, estabelecendo com Clark uma relação de cumplicidade que transcende o romantismo convencional. A química entre os dois personagens é bem explorada, com diálogos ágeis e situações que favorecem o desenvolvimento mútuo. E o ator Nicholas Hoult, no papel de Lex Luthor, constrói um antagonista contido e metódico, cujo poder se manifesta mais na manipulação sutil do que na imposição física, remetendo à figura do bilionário tecnocrata.
O roteiro assinado por Gunn mantém um ritmo eficaz, alternando momentos de ação com passagens intimistas. Há espaço para humor, mas este surge organicamente, sem prejudicar a seriedade da trama central. A introdução da chamada “Justice Gang”, composta por personagens como Guy Gardner (Nathan Fillion), Hawkgirl (Isabela Merced), Mister Terrific (Edi Gathegi) e Metamorpho (Anthony Carrigan), acrescenta diversidade ao universo do filme, sem comprometer o protagonismo do Superman.
Krypto, o Supercão, surge como um dos elementos mais carismáticos do filme e desempenha um papel que vai além do alívio cômico. Inspirado diretamente em Ozu, o cão resgatado do próprio James Gunn, a personagem foi criada com base em escaneamentos 3D reais e referências comportamentais vindas não só de outros cães, mas também de atores e dublês que emularam seus movimentos no set. Inicialmente, Gunn considerou dar voz a Krypto, à semelhança do que fez com Rocket Raccoon em “Guardiões da Galáxia”, mas optou por mantê-lo silencioso, privilegiando a expressividade emocional da relação com Superman. Essa escolha reforça o caráter afetivo do filme e aproxima ainda mais o espectador do protagonista, revelando camadas de sua humanidade por meio da convivência com o animal. A figura de Krypto também funciona como símbolo da conexão entre o épico e o íntimo — um elo discreto entre o super-herói e o cotidiano.
“Superman” apresenta ainda duas cenas pós-créditos que expandem esse universo de maneira discreta, sem depender de grandes ganchos para futuros filmes. A primeira, exibida logo após os créditos iniciais, mostra Superman e Krypto observando a Terra da superfície lunar, em um momento silencioso e contemplativo, que reforça o tom emocional do longa. A segunda, ao final completo dos créditos, traz uma breve interação entre Superman e Mister Terrific, em que o herói admite com humor sua falha em reconstruir um prédio de forma simétrica — um encerramento leve que ressalta a humanização do personagem e o equilíbrio entre responsabilidade e vulnerabilidade. Ambas as cenas são mais sugestivas do que narrativas, mantendo a coerência com a proposta do filme: não se trata de prometer uma próxima grande ameaça, mas de consolidar um novo espírito para o universo da DC — mais acessível, mais solar e, sobretudo, mais humano.
O destaque técnico também se estende à trilha sonora. Composta por John Murphy e David Fleming, a música resgata temas tradicionais com arranjos atualizados, equilibrando nostalgia e inovação. Em determinados momentos, a trilha atua quase como narradora emocional, guiando o espectador por passagens cruciais da narrativa. A presença do cão Krypto, modelado por CGI, contribui com elementos de afeto e leve comicidade.
Ainda que algumas subtramas sejam resolvidas com rapidez e certos personagens secundários não recebam o desenvolvimento esperado, o filme mantém coesão e um senso claro de propósito. A proposta de reintroduzir Superman como um símbolo de otimismo é cumprida com competência e sensibilidade. Trata-se de uma resposta consciente às críticas recorrentes sobre a falta de identidade da DC nos cinemas e uma aposta confiante no poder do símbolo que o personagem representa. Em síntese, “Superman” representa um recomeço consciente para a franquia e para o próprio personagem. Ao recuperar sua essência mais fundamental — a de um herói movido pela empatia, verdade e esperança —, James Gunn demonstra que é possível renovar uma marca tão consolidada sem distorcer seus princípios. Trata-se de um blockbuster que entende o valor da simplicidade quando esta é guiada por propósito narrativo e respeito à mitologia.