Mostra Um Curta Por Dia 2025

Sol de Inverno

Sobre as exceções do caminho já pré-determinado

Por Fabricio Duque

Festival de Cannes 2024

Sol de Inverno

O mundo audiovisual produz muitas obras todos os dias, que são exibidas em festivais de cinemas pelo mundo. A quantidade é tanta (ainda que tenham ótimas repercussões pela crítica e pelo público), que muitos filmes ficam perdidos pelo caminho, adentrando em um limbo à espera de serem encontrados. Isso faz dos compradores pessoas essenciais. Por seus olhos mais sensíveis e atentos, muitas pérolas saem da fila e são finalmente lançadas nos cinemas. E este é o feito de uma distribuidora iniciante, Michiko Filmes, comandada por Michel Simões e Chico Fireman, para trazer às telas o segundo filme do realizador japonês Hiroshi Okuyama, de 28 anos de idade, “Sol de Inverno”. Exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2024, o longa-metragem é uma experiência sensorial, que nos imerge em uma narrativa metafísica de tempo suspenso da realidade ao abordar naturalista coloquialismo de um dia-a-dia rotineiro de vida acontecendo.

Em “Sol de Inverno”, nós somos absorvidos por esse tempo sereno, observacional, fluido, mais puro, mais simples, mas básico, que sente e que capta o exato instante em que vivem, numa atmosfera nostálgico-atemporal. Suas personagens externam uma melancolia de uma solidão patológica, genuína a própria personalidade, que se mantém na apatia existencial do espectro autista. A fotografia, de granulação estética ao desgate da própria imagem, nos ajuda nessa imersão quando se apresenta em formato de polaroide, de estendidos instantes mais instantâneos, que por sua vez nos potencializa nossa sensibilidade em perceber os pequenos e invisíveis detalhes não automatizados, como a primeira neve do ano, indicativo de começo do inverno. “Sol de Inverno” é uma metáfora das existências dessas personagens. O inverno causa o frio e a apatia, inclusive do cenário ao redor, mas também separa melhor as exceções: aquela luz do sol que representa a esperança de uma felicidade-tranquilidade possível (e a projeção imediata de um amor que completará o vazio da alma – como os olhares observadores pelo retrovisor, por exemplo, e/ou até mesmo os explícitos que “congelam” os movimentos do corpo), e que inclusive muda e “esquenta” a paleta das cores da imagem. 

“Sol de Inverno” talvez apresente um outro mundo. De empatia, respeito,  sensibilidade, aceitação do silêncio e de retroalimentação da paixão platônica. Um tempo passado totalmente incompatível com o do nosso agora, de ser sútil e também direto, especialmente pelas expressões não encenadas das personagens. Não há pressa nessas contemplações. Vemos uma verdade sóbria e humanizada, entre fragmentos rotineiros do dia-a-dia desses seres incompatíveis com a vida regrada pela sociedade, ora com timidez e gagueira, ora com a premeditação dos efeitos da desilusão e do ciclo da “Lei de Murphy” de um que gosta do outro que gosta de outro. Aqui, a personagem do professor quer ajudar, se tornar um anjo e dar o jeitinho para unir um casal de seres solitários. Esse é talvez o projeto dele, o de ser um mentor para impedir erros e fracassos. Tudo é poético (e “enquanto há neve” ao som de “Clair de Lune”), mesmo na reviravolta ciumenta e “maldosa” de uma “vilã”. O filme é sobre o universo da patinação artística, enfocando o “Love is the Air”, que nesta trama acontece também pelo carinho genuíno e pela força estimulante (“Não tenha medo de errar”, diz-se), de, por exemplo, expor a causa da “vilã” por um monólogo de fluxo de pensamento. 

“Sol de Inverno”, inspirado pela música homônima “Boku no Ohisama (My Sunshine)”, da dupla folk Humbert Humbert (com trechos de “Tropeçar na primeira sílaba quando eu tento falar corretamente”), e por influência de experiências pessoais do diretor, nos mostra um controle total da direção, de sua câmera, de seus ângulos, de sua fotografia, até na epifania da cena dos momentos desmedidos de alegria. O filme é uma fábula realista e uma parábola existencial que quer passar a mensagem de que basta um simples comentário maldoso para destruir toda o bom equilíbrio energético do lugar (a mesma máxima da maça podre que afeta e contamina todas as outras – uma “alfinetada” com um toque velado de homofobia). 

“Sol de Inverno” é também uma crônica delicada e intimista em camadas de descobertas passageiras e casuais numa pacata ilha japonesa, que inclusive traz Zombies na trilha sonora. Uma jornada de conhecimento e amadurecimento. De um protagonista Takuya de nove anos que tenta encontrar seu caminho e sua motivação. Talvez o hóquei não seja sua praia. Quem sabe o Baseball? Será então a patinação artística? Takuya, a essa procura de vínculo, concorda com tudo de forma pacifica e resignada, com um que crescente de resignação. E são essas características decorrentes que o protegerá da maldade e hostilidade causadas por frustrados indivíduos sociais, que preferem acabar com suas oportunidades para manter viva uma ideologia retrógrada e tóxica. O que fazer? Talvez um esparadrapo no umbigo à moda de Jade Picon a fim de recuperar nossa crença utópica perdida de que há salvação para os seres humanos. 

4 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta