Mostra Um Curta Por Dia 2025

Sing Sing

Refúgio de um espaço só

Por Vitor Velloso

Sing Sing

O subestimado Colman Domingo é um desses atores que passou tanto tempo despercebido aos olhos do grande público que foram precisos anos de excelentes performances para que seu talento recebesse o merecido reconhecimento. Foi em “Rustin” (2023) que o ator conseguiu atingir uma unanimidade, mesmo já tendo se destacado em “Se a Rua Beale Falasse” (2018) e “A Voz Suprema do Blues” (2020). Agora, no novo projeto de Greg Kwedar, “Sing Sing”, ele se consolida como um dos grandes nomes de sua geração e entrega uma das interpretações mais tocantes do ano.

O filme trabalha em uma estrutura particularmente simples, chegando a ser previsível em grande parte de seu desenvolvimento. A lógica narrativa segue um caminho familiar: apresentar os personagens e o grupo de teatro, desenvolver os dramas pessoais de cada um, introduzir conflitos, recorrer ao peso emocional, atingir o momento de crise e, por fim, a reconciliação pessoal. Essa organização sequencial é facilmente reconhecível por qualquer espectador. No entanto, diferentemente do que se poderia imaginar—especialmente por se tratar de um longa ambientado inteiramente em uma prisão—não há uma proposta de discussão política a ser explorada, nem mesmo de forma superficial. Isso se distancia das expectativas que parte do público poderia ter sobre o projeto, ainda mais considerando que a população carcerária retratada no filme reflete um padrão visto tanto na ficção quanto na realidade. Entretanto, “Sing Sing” não se interessa em aprofundar essas questões sociopolíticas. Pelo contrário, concentra-se nos conflitos internos de seus personagens, mencionando o mundo exterior apenas em diálogos sobre o passado, afetos e traumas que os assombram. Nesse sentido, é louvável como o roteiro, assinado por Clint Bentley e Greg Kwedar, consegue trabalhar as angústias individuais de maneira tão íntima, expondo vulnerabilidades em um ambiente onde isso poderia ser visto como fraqueza e risco.

Porém, se por um lado o filme consegue articular a psique de seus personagens e construir um refúgio de esperança dentro do isolamento social—incluindo a substituição da palavra “N…” por “beloved” (traduzido como “amado”), um gesto simbólico importante—por outro, “Sing Sing” tem dificuldades em transformar o contexto prisional em algo que realmente contraste com o universo dos protagonistas. Em outras palavras, não há uma disparidade significativa entre o grupo de teatro e o restante da prisão. A ausência dessa dualidade espacial enfraquece parte do peso dramático e do impacto emocional que o filme busca transmitir, deslocando-o para um campo tão idealizado que a revisitação dos ensaios e discussões sobre a peça em desenvolvimento se torna trivial. São poucos os momentos em que o deslocamento desse espaço para um ambiente de confronto com a realidade do cárcere é realmente sentido. Um exemplo notável disso ocorre na cena da audiência de clemência, em que Divine G (Colman Domingo) precisa justificar sua participação nos programas de ressocialização, especialmente no grupo de teatro. Quando a autoridade questiona se ele está atuando naquele momento, cria-se uma tensão sobre a autenticidade de sua mudança e a percepção da atuação como um artifício de manipulação. Curiosamente, essa cena ressalta como os próprios julgamentos e audiências são teatralizados, com papéis previamente definidos, tornando a indagação quase ingênua em sua formulação.

Ainda assim, a combinação da direção de Kwedar e a fotografia de Patrick Scola resulta em momentos belíssimos, com movimentos de câmera sutis que trazem uma leveza ímpar às cenas, ainda que de maneira um tanto mimética, já que os conflitos entre os personagens se desenvolvem de forma previsível ao longo da narrativa.

“Sing Sing” é uma experiência envolvente e conta com uma atuação brilhante de Colman Domingo. Embora o elenco traga outras performances marcantes—como Clarence Maclin, no papel de “Divine Eye”, e Sean San Jose, como “Mike Mike”—o filme tem certa dificuldade em traduzir o peso emocional transmitido pelos atores em impacto narrativo consistente. A previsibilidade estrutural torna-se ligeiramente artificial dentro dessa construção, impedindo que a jornada dos personagens atinja sua potência máxima. Dessa forma, ainda que o espectador possa estabelecer uma boa relação com o filme, é possível perceber um certo caráter programático na forma como o desenvolvimento das situações acontece ao longo do projeto.

Não acredito que a falta de debate político no projeto seja um problema tão grave quanto tem sido divulgado, mas sem dúvida é de se questionar a ausência de trabalho dialético entre os dois universos que supostamente são vistos no filme, pois há uma representação unilateral que retira peso e cria diversas dúvidas no espectador, incluindo a precisão no desenvolvimento desse espaço. 

3 Nota do Crítico 5 1

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