Festival Curta Campos do Jordao

Rustin

Mesmo assim…

Por Vitor Velloso

Rustin

O longa anterior de George C. Wolfe, “A Voz Suprema do Blues” (2020) contava com uma teatralidade por vezes problemática, por não saber como conduzir a narrativa à intenção de transformar seus personagens em ícones absolutos na história. Mas o filme possuía algum grau de interesse nessa forma, não só por ser baseado na peça de August Wilson, como por trabalhar essa noção de espaço cerrado, ainda que de uma perspectiva histórica. “Rustin”, seu novo longa-metragem, é quase o oposto dessa abordagem, focando em uma construção que ganha dimensões cada vez maiores, com contornos políticos que vão se avolumando, contradições que permeiam a luta dos personagens e uma série de problemas quanto a escalada do grande evento final. 

Como resgate histórico, a importância de uma obra como “Rustin” é enorme, tanto por conseguir explicitar as organizações negras da época, suas burocracias e entraves, como pela capacidade de resgatar o nome do ativista pacífico, declaradamente gay, em um contexto onde o racismo e homofobia eram ainda piores que no contexto atual. Outro fator interessante no filme, é a possibilidade de popularizar a participação de não-negros no movimento. Porém, diferentemente de outros filmes produzidos por Hollywood, a intenção aqui não é de possuir uma figura de salvação branca, mas de um registro histórico que demonstre o próprio racismo presentes nessas mesmas pessoas que estavam ali para auxiliar o movimento, ou a incapacidade de compreender plenamente as distintas camadas do preconceito sofrido pelos personagens negros. Desta forma, o projeto se contrapõe aos longas que procuram essa conciliação, na figura de um salvador, problematizando as relações e complexificando o caráter de uma luta política que muitas vezes é representada de forma superficial no cinema. 

O elenco estrelado possui atuações consistentes, mas um desenvolvimento frágil na maior parte dos personagens, com intenções unilaterais ou apenas funcionais dentro do roteiro. Jeffrey Wright, Chris Rock, Glynn Turman, Aml Ameen, CCH Pounder, Michael Potts estão bem em seus papéis, mas é sempre necessário reafirmar que Wright precisa de um destaque maior na indústria, pois sua consistência impressiona. Colman Domingo, o grande destaque do longa, consegue transmitir bem a excentricidade de um personagem que é assombrado por situações do passado, rechaço político e uma luta contra corporativismos dentro da causa. 

Apesar disso, “Rustin” possui deficiências graves nos caminhos encontrados pelo roteiro de Dustin Lance Black e Julian Breece, desde o romance mal desenvolvido e pouco efetivo no drama principal com Tom (Gus Halper) até o engessamento de uma biografia que poderia fugir de determinadas fórmulas programáticas, mas se entrega aos dispositivos fáceis de uma estrutura clássica. O espectador sabe que haverá altos e baixos, que o tom festivo de muitas passagens servirá de contraste para uma brutalidade policial ou conflito entre personagens etc. Neste sentido, falta uma condução menos óbvia para uma obra que se dedica a um protagonista pouco óbvio, ainda que o foco em Rustin e não em Martin Luther King Jr., que seria o caminho mais fácil, reforça a importância histórica de um nome pouco midiático comparado ao pastor. 

Existem algumas estratégias interessantes em “Rustin”, o embate com a polícia, representado nas formas de opressão de Hoover, que não aparece no filme e seu nome sempre surge como uma espécie de entidade, faz com que essa luta seja dimensionada à beira do impossível. Outro destaque é a forma como George C. Wolfe constrói a cena onde o espectador compreender como o Rustin perdeu os dentes e teve parte do rosto desfigurado. Não seria necessário explorar a violência da cena ou espetacularizar qualquer brutalidade, mas Wolfe é sagaz ao representar a cena como uma manifestação não violenta de direitos básicos, como estar sentado em um ônibus, com uma fala forte e provocativa, que culmina no golpe citado, sem sua demonstração explícita. 

“Rustin” é uma adição de catálogo interessante pelo seu resgate, mas parece se limitar com um roteiro problemático e uma montagem, assinada por Andrew Mondshein, que oscila gravemente ao longo da projeção. Talvez a parceria de Wolfe com a Netflix seja um fator limitante, mas a possibilidade da produção e ampla distribuição é necessária. De toda forma, o diretor ainda traz algum grau de atenção para projetos futuros.  

3 Nota do Crítico 5 1

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