Mostra Um Curta Por Dia 2025

Seu Cavalcanti

Registros, sinceridade e uísque

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024

Seu Cavalcanti

Um dos projetos mais aplaudidos no Cine-Tenda da 27a Mostra de Cinema de Tiradentes, “Seu Cavalcanti”, de Leonardo Lacca, é um documentário que transita entre linguagens, mas está majoritariamente ancorado em registros familiares. É interessante que apesar de um formato ligeiramente padronizado de longas documentais familiares, o novo filme de Lacca seja capaz de interagir com o espectador como uma espécie de apresentação de uma figura que nos parece tão íntima quanto distante. O grau de intimidade que o espectador possui ao ter acesso aos registros cotidianos de Seu Cavalcanti, permite que possamos vislumbrar um pouco de seus hábitos, desde dirigir muito mal (nas palavras do próprio diretor) até seu único gole de uísque no horário do almoço.  

O documentário passeia por um largo número de registros, alguns sem nenhuma relevância para o progresso do filme, mas com a clara finalidade de enriquecer o protagonista diante da plateia. Por essa razão, existem momentos onde o filme perde algum ritmo, por se debruçar em filmagens que não possuem exatamente um propósito claro, mas isso não significa uma perda de rumo, pelo contrário, é uma forma de expressar o carinho que Lacca possui por seu avô, alegando diversas vezes ao longo da projeção que não sabe exatamente a hora de parar de filmá-lo. Essa característica de assumir parte das particularidades do desenvolvimento do longa, está presente em vários momentos de “Seu Cavalcanti”, com a“exposição” de bastidores, decisões criativas e trabalhando com uma estrutura que não se permite estagnar na mera representação dessa relação entre avô e neto.

Os maiores méritos do projeto estão justamente no esforço de ser despojado e pouco pragmático, separando momentos apenas para brincadeiras, como um videoclipe feito apenas para Seu Cavalcanti, com auxílio da tela verde, ou o trabalho de dublagem realizado em situações específicas. São tomadas de decisão que impedem o filme de se tornar burocrático, sempre trazendo um novo elemento para apreciação do espectador. Contudo, existe uma dificuldade em conseguir manter essa mesma cadência ao longo de toda a projeção, pois parte desses recursos se esgotam e essa fórmula de se desvirtuar de padrões, passa a saturar a experiência. A questão aqui não é que isso deixa de funcionar em determinado momento, mas sim que torna-se previsível os inserts. Por essa razão, foi muito comum escutar das pessoas na saída da exibição na Tenda, que adoraram o Seu Cavalcanti, mas a pergunta é: qual? O personagem ou o filme?

Em alguma medida, quem sustenta a obra é o personagem, que recebe uma estrutura bastante criativa na forma de representação, que com o auxílio de uma montagem sagaz, transforma o gênero de documentário familiar em algo mais arrojado do que sua definição parece categorizar. Essa mesma montagem, assinada por Ricardo e Luiz Pretti, dá conta de articular de forma inteligente algumas falas, recuperando um pouco o fôlego para o espectador se manter na obra, como a sessão de presentes que possui a emblemática frase: “PQP, cueca de novo”. “Seu Cavalcanti” não é apenas sobre o avô de Lacca, mas permite que possamos compreender a partir desse recorte, nossas relações. Em diversos momentos, pude enxergar meu avô ali, com frases tão parecidas que as gargalhadas eram mais pessoais do que a projeção faz parecer. E esse poder é louvável, pois vem de uma estrutura de registros que capta a essência dessas trocas. 

Os minutos finais são capazes de gerar boas risadas, mas também convidar o espectador a deixar a sala de exibição com o olhos marejados, pela confissão de não saber quando parar de filmar o próprio avô, mesmo que este já não esteja mais entre nós. E essa é a beleza de “Seu Cavalcanti”, ser sincero em cada etapa, sem deixar que os maneirismos formais tomem conta dessa experiência. É, sem dúvida, um enorme convite para conhecermos um pouco mais de Seu Cavalcanti, o homem que tem saúde por não ter tido desgosto com seus filhos. 

3 Nota do Crítico 5 1

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