Seguindo Todos os Protocolos
Neurose, pandemia e tesão
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2022
O primeiro filme da Mostra Aurora nesta 25ª Mostra de Cinema Tiradentes não será unanimidade, mas é uma estreia menos suscetível às polêmicas polarizadoras. “Seguindo Todos os Protocolos” de Fábio Leal possui uma sinopse tão sintética quanto a estrutura narrativa da obra e consegue dialogar com outras cinematografias contemporâneas sem perder sua particularidade. Porém, é na irregularidade que o filme consegue seu brilho, compreendendo que o desarranjo dos protocolos de um hipocondríaco é seu tesão acumulado no período de isolamento e que a manutenção de sua sanidade mental envolve estar suscetível aos efeitos colaterais dos remédios antidepressivos. Não por acaso, essa comédia neurótica consegue transitar entre o humor e a melancolia com alguma naturalidade.
Existe uma certa fragmentação da narrativa, bastante clara para o espectador, que acaba utilizando os recortes para sintetizar o estudo de personagem no processo pandêmico. Acaba falhando em alguns momentos, especialmente na sequência envolvendo o médico, que perde força gradativamente. “Seguindo Todos os Protocolos” perde algum fôlego com sua progressão, mas sua curta duração impede que o ritmo se perca por completo e aquele caos da chamada de Skype com o personagem de Marcus Curvelo ainda consegue ter força até o fim da projeção. Do mesmo modo que ali existem representações de certos tipos comuns das redes sociais, tanto no “fiscal de pandemia” quanto na pessoa que se defende em causas que não são suas, também há um trabalho em arquétipos que consolidam questões dramáticas da obra. Seu próprio caos cria a estrutura a ser desenvolvida. Nesse sentido, Fábio Leal é consciente na forma com que rompe certas barreiras do jogo de sedução, seja no humor ou na melancolia. Um exemplo disto, é a cena em que o personagem de Paulo César Freire é introduzido, onde os espaços são divididos para a proteção do protagonista, mas cria uma atmosfera de sedução através da própria limitação física desse sexo.
A fotografia capta as silhuetas e toda a redescoberta de um contato físico fica entre o lúdico e o desespero provocado pelo tesão, não por acaso quando vemos o estilete indo cortar o plástico, há uma provocação nesse próprio jogo de luzes. Essas brincadeiras fazem parte de um retrato de contradições, que não se escondem, mas se assumem dentro de seus contextos e desejos. Os últimos minutos são uma prova disso, onde a viagem parece ser a fuga necessária e o fetiche encontra sua materialização. Contudo, existem certas propostas de “Seguindo Todos os Protocolos” que demonstram suas fragilidades de maneira tão decisiva, que transforma o projeto em algo verdadeiramente honesto. A comédia que envolve o hipocondríaco à procura de sexo seguro de contaminação da COVID-19, funciona bem, mas é na maneira como suas angústias são frequentemente reforçadas pelas pessoas que fazem parte desses desejos que podemos entender mais de Francisco. Certamente, é melhor regar a planta e investir na rotina, o problema é até quando é possível ir na contramão das necessidades.
E é nessa fricção de corpos, de exposições fotográficas com ensaios eróticos e de brincar com o pênis do parceiro sexual, que essa carga neurótica é capaz de ser versátil em sua construção, ainda que esteja sempre retornando à solidão e à melancolia de seu protagonista, como uma espécie de chaga. A própria fuga de “Seguindo Todos os Protocolos” não vai apenas na contramão do que é apresentado durante a projeção, mas é um sonho que materializa no absurdo, e no pós-sexo.
Por mais que muita gente aproxime o cinema de Fábio Leal com o de Gustavo Vinagre, com alguma razão, existem diversos pontos que deslocam essa comparação imediata, tanto a diferença na representação do sexo, quanto a maneira com que os dois trabalham os isolamentos sociais, aqui é literal, mas as angústias estão presentes em todos os seus trabalhos.