Mostra Um Curta Por Dia 2025

Rambo IV

Sem Nostalgia

Por Jorge Cruz

Rambo IV

Quando lançado em 2008, “Rambo IV” decepcionou nas bilheterias. Ao custo de 50 milhões de dólares (13 a menos do que seu antecessor custou vinte anos antes) novamente não se pagou nos Estados Unidos, rendendo 43 milhões (11 a menos do que “Rambo III”). Ao redor do mundo, o resultado foi pior: 70 milhões em caixa, enquanto o terceiro filme da franquia, em contextos econômicos bem diferentes, já havia naufragado com seus 135 milhões.

Só que ao contrário da tragédia de “Rambo III”, o longa-metragem que levou de volta o boina-verde aos cinemas na esteira do sucesso de “Rocky Balboa” (Sylvester Stallone, 2006) é um produto muito mais consistente. Ao mesmo tempo que atualiza a linguagem e o insere na lógica dos filmes de ação de sua época, traz dignidade e coerência ao protagonista. A direção do próprio Stallone insere o espectador de vez na ação, com cenas nas florestas com ambientações e ritmos que bebem na fonte de “Apocalypto”, capitaneado por Mel Gibson dois anos antes. Talvez na busca de um reboot tão arrebatador quanto o do boxeador mais popular da Filadélfia, as fraquezas do filme tenham se sobressaído maneira que a obra sofresse repulsa exagerada da crítica. 

A maneira com a qual “Rambo IV” se apresenta nos coloca na ação de forma bem mais didática, como os filmes da época gostavam de fazer. A contextualização a partir de reportagens sobre a situação da Birmânia ao longo dos créditos se afasta da clássica “caminhada do herói” típica dos filmes dos anos 1980. O que antes era mais do mesmo, dada a profusão de produções similares, vista uma década depois e de maneira pinçada, faz certo sentido histórico. Na trilha sonora não era mais possível contar com Jerry Goldsmith, falecido em 2004. A ressignificação do tema de Rambo ficaria a cargo de Brian Tyler. Parece que sua maneira de trabalhar, se adaptando ao material pré-existente, é uma característica valorizada em Hollywood. Ele faria o mesmo nas franquias “Velozes e Furiosos”, “Homem de Ferro”, “Thor” e “Os Vingadores”.

O argumento do roteiro de Stallone e Art Monterastelli envelheceu bem. Na época boa parte torceu o nariz para essa obra, mas uma nova visita a “Rambo IV” o revelou menos trágico do que pareceu quando de seu lançamento. Partindo da ajuda do ex-soldado a um grupo em missão humanitária na Birmânia, o protagonista se apresenta como um descrente da paz. Essa visão se revelava de certa forma anacrônica em uma época em que a tática bélica de George W. Bush se mostrava uma farsa. Isso afasta ainda mais John Rambo da ética do herói, algo que a expectativa do momento do lançamento nos cinemas. A frase que talvez resuma da melhor forma essa visão é “sem armas não se muda nada”, dita quando o protagonista tenta convencer os religiosos norte-americanos a não cumprirem seu objetivo de levar medicamentos aos nativos que sofriam com o conflito.

Vistos com os olhos de uma Hollywood que tem abraçado a ideia de que “todas as vidas importam”, o abandono de Rambo como figura mitológica pode ser entendido no próprio filme – mesmo que essa camada seja criada por acidente e dependa da máxima boa vontade de quem assiste. Foi escalado para a montagem Sean Albertson, o mesmo de “Rocky Balboa”. Sua parceria com a direção de Stallone repete a união da proximidade da ação, com os cortes rápidos e a ultraviolência, uma tônica dos filmes do gênero à época. É uma reconfiguração estética da franquia que permite uma reconfiguração também do protagonista. Esse debate em cima da questão ética de missões humanitárias é uma nova incursão estrangeira (feita de forma execrável em “Rambo III”) e vira uma camada que, se quase tão rasa quanto as outras, é adicionada apenas nessa produção.

Claro que o mote do resgate como motivação do personagem existe, uma vez que foi criada essa encruzilhada insolucionável na franquia. Assim como em “Rambo II: A Missão” há uma predileção pelas cenas noturnas – e o trabalho de Stallone na direção não é tão bom quanto o de Peter MacDonald. A única incoerência é trazer no segundo ato um Rambo mais estrategista, menos reativo – porém a produção seguinte parte daí para mostrar que na verdade ele somou experiências. Uma mudança que não deve ser considerada tão brusca, já que a história se passa vinte anos depois de “Rambo III”

Com uma escalada de violência impressionante, a experiência de assistir “Rambo IV” poderá surpreender e convencer alguns de que o filme foi tratado com certa injustiça. Talvez a ausência do fator nostalgia em cima do personagem e a insistência em mostrar sua verdade como absoluta tenha pesado, já que sua forma de pensar e agir não se enquadrava no que era aceitável. Acabou se tornando uma daquelas obras esquecidas e quase unanimemente execradas, mas que merecem outra chance.

 

3 Nota do Crítico 5 1

Deixe uma resposta