Procura-se
A perversões de uma "moral"
Por Vitor Velloso
“Procura-se” de Peter Facinelli é um dos filmes que mais permanecerá com o espectador após sua projeção. Não por ser um “suspense” interessante que instiga o público a permanecer diante da tela, mas pelas pataquadas magnânimas que o barato proporciona. Pouca coisa aqui é realmente funcional, a própria exposição do gênero é forçada e não encontra pontos que sustentem os deslizes do roteiro. Onde a articulação falha, tudo está fora de ordem e a questão norteadora de seus protagonistas, em um didatismo mambembe, próximo ao fim da obra, apenas piora um fim inevitavelmente frágil.
A estrutura segue uma receita de bolo que apenas reproduz os clichês e busca manipular o desinteressado espectador à mais alguns minutos diante de “Procura-se”. A vergonha alheia é proporcional às interpretações e a necessidade da “perversão” da moral, típica de uma lógica social norte-americana. O subproduto industrial percorre uma linha tênue entre o fetichismo da violência e a resolução pragmática, procurando nas instituições conservadoras um espelho para os problemas internos. Os traumas são meras representações dos fantasmas que o próprio longa elenca como pilares primários de funcionamento. Tal como a velocidade na entrega, a máquina neoliberal precisa alavancar uma catarse de gatilho fácil para engajar o espectador nas discussões acaloradas pós-sessão, mas não há espaço para tal coisa. O próprio filme faz com que essa explicação venha de bandeja em uma sequência de pura exposição que encerra o período de exibição.
Todo o mistério que nos leva aos protagonistas, recebe da montagem uma atenção particular para criar uma dinâmica que faça funcionar o projeto de entretenimento. Não à toa temos blocos distintos dentro da construção, desde um drama mais bruto entre o luto, a perda e esperança, para um suspense que vai assumir a ação como uma possibilidade de arrancar respostas. Até no terror o espectador caminha, tanto no delírio no cais quanto na descoberta do usuário de drogas, alguns jump scares preguiçosos passam a acontecer com mais frequência. Nessa possível versatilidade em recorrer a dispositivos distintos para alcançar essa funcionalidade prática de um plot twist mais bombástico, as escolhas formais pesam e temos um filme lento, chato, desinteressante, que parece nunca acabar. “Procura-se” investe até na fórmula dessa reviravolta, criando ciclos que são cruzados por uma chave de personagens que são sempre “suspeitos”.
Onde o longa acredita tornar o espectador cúmplice dos fatos, já que expõe o jogo de manipulação entre perspectivas que essa representação sugere, apenas cria mais uma fenda em um projeto que não decola e permanece preso aos grilhões mais rasteiros da indústria. Os cortes rápidos após a grande revelação, expõe que a virtude aqui é tentar uma surpresa jamais imaginada, para intensificar a dialética entre a explicação e a retomada didática. No fim, nada funciona e o barato é de uma chatice impressionante. As cenas de ação são de uma incompetência fulminante, já que procura-se a tensão paralela na maioria dos casos, mas o tempo desses planos parecem deslocados na própria relação com o espaço. E toda essa proposta de encenação apenas remonta aos piores protótipos conservadores que são defendidos por parte da crítica cinematográfica, entre o vulgar dessa ideologia reacionária, amparada pelas supostas autocríticas, que apenas qualificam a própria linguagem para uma formalização de estereótipos particulares. É uma proposição arcaica, que segue sendo utilizada pelos resultados de público que vêm trazendo ao longo dos anos, seja como estratégia de distribuição ou marketing.
Assim, os defensores irão partir em direção a essa moral que “Procura-se” explora constantemente, sem recorrer a uma palavra mais espinhosa como “valores”, por remeter às críticas já realizadas há décadas. Ainda que a sem vergonhice não possua grandes barreiras e possa se aproximar aos sinônimos menos óbvios, a fim de compreender uma “nova” argumentação diante de um ufanismo que dilui-se à representações de personagens que encarnam a mentalidade reacionária com um vigor particular.
“Deste modo, de uma perspectiva etimológica, a expressão, hoje popular, “materialismo cultural”, é algo tautológica. Inicialmente, “cultura” designava um minucioso processo material, o qual veio a ser metaforicamente transposto para os assuntos do espírito.” Se Eagleton, ainda com problemas, pode situar o espectador diante do problema que deve enfrentar aqui, cabe aos leitores a decisão da aventura.