Os Rejeitados
Um Conto de Natal
Por Pedro Sales
A época de Natal tradicionalmente está interligada com festas, reuniões familiares e presentes. Em “Os Rejeitados” a festividade tem um aspecto agridoce, uma vez que toda essa mágica da data dá vez à união forçada pelas condições que o trio de personagens estão. O diretor Alexander Payne, que realizou “Nebraska“, articula uma comédia dramática muito bem pontuada pela direção de elenco. Os três atores estão em perfeita sintonia, começando da apatia um pelo outro para gradualmente se afeiçoarem. Além das excelentes atuações, o filme constrói muito bem as conexões entre drama e humor, sendo o último o maior destaque do longa. O timing para piadas e diálogos afiados parece que não pode ser melhor. Tendo em vista esse diálogo efetivo entre momentos dramáticos e cômicos, o longa torna-se de um conto de Natal bem-humorado que encanta o espectador e aquece o coração.
Durante o final de 1970, estudantes do internato de Barton, na região americana da Nova Inglaterra, preparam-se para o recesso de Natal e Ano Novo. Nem todos os alunos, porém, poderão aproveitar o fim de ano. O diretor da escola designa então o professor Paul Hunham (Paul Giamatti) para ficar na escola monitorando os “deixados para trás”. O problema é que o rigoroso professor de História Clássica não tem nenhum apreço dos alunos e tampouco dos seus pares, ele é visto como alguém estranho, que cheira a peixe e é estrábico. Angus Tully (Dominic Sessa) é um dos estudantes condenados a passar as festividades de fim de ano no internato, apesar das várias tentativas de escapar dessa sina. A cozinheira-chefe do internato, Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph), por outro lado, escolheu não passar o recesso com a família, mas na escola em razão do luto recente pela perda do filho, falecido na Guerra do Vietnã.
Portanto, “Os Rejeitados” é construído no microcosmo do internato e das relações de hierarquia escolares professor-aluno. A magia de Payne é fazer esse trio de desajustados se aproximar aos poucos e fazer o espectador se identificar com os “excluídos”. As resistências são superadas e cada um passa a estar a par dos desafios dos outros. O luto de Mary já conhecido por todos, é amparado e defendido por Hunham, por exemplo. O laço entre o professor e Angus se fortalece a partir do momento em que um dá abertura ao outro, o aluno fala do pai morto, o professor relata a doença e seus desafios na vida acadêmica. O cineasta reforça essa relação em diálogos e também em cenas mais delicadas, um frasco de remédios que une ainda mais os inicialmente rivais. Giamatti ao mesmo tempo que conquista o respeito e admiração dos personagens, também o faz com o público que percebe que apesar de rígido e tradicionalista, ali está uma boa pessoa, um homem de Barton. O estreante Sessa é excelente na pele do garoto rebelde, inteligente e que por trás do bom humor esconde suas dificuldades familiares. Enquanto Joy Randolph vive bem a mãe enlutada mas ainda forte, capaz de manter os dois nos trilhos. Não é por acaso o reconhecimento para eles durante a temporada de premiações, pois são a alma do filme.
O fato de o filme se equilibrar muito bem entre drama e humor é o que dá esse aspecto agridoce inicialmente mencionado. As piadas são muito boas e o roteiro faz questão de aproveitar ao máximo o efeito cômico do texto. Tanto é que muitas vezes o que foi dito por um personagem é retomado pelo outro, como uma espécie de “touché”, ressignificando o sentido inicial. Além disso, a franqueza das interações também corroboram para isso, Angus assumindo estar dando em cima da menina, o surto catártico de Hunham, cansado de ser aquele de antes. Outro aspecto bastante interessante do longa, para além dos já citados, é como a linguagem cinematográfica emula filmes dos anos 70. A imagem possui aquela granulação típica de obras rodadas com película, a decupagem tem um aspecto clássico, por meio do uso de zoom e de panorâmicas, e a escolha musical se associa habilmente aos personagens, até de forma irônica, como “The Most Wonderful Time of The Year”. Ainda sim, trata-se de muito mais que uma homenagem aos “perdedores” da filmografia setentista, é uma retomada do caráter cômico-dramático e da graciosidade nascida do improvável.
“Os Rejeitados” é um longa com vocação para clássico de Natal. Alexander Payne consegue explorar as principais características e as contradições das datas comemorativas. O filme, de certa forma, representa a superação do que é tido como comemoração clássica, evidenciando que os laços de família, na realidade, independem de consanguinidade, uma vez que a “família” aqui retratada surge da impossibilidade de ver a família de verdade. Hunham, Angus e Mary formam, pelo menos naquele curto – mas que parecia longo – período de recesso, uma família, estabelecem relações de confiança e afeto genuínas. Extremamente engraçado e bem humorado, com a medida certa de drama e melancolia, esse é um longa gracioso, que diverte, emociona e faz rir – muito, a bem da verdade. Um conto de Natal focado nas relações construídas pelo acaso, extremamente improváveis, que talvez só o destino explique, mas que ainda sim são fortes o suficiente para impactar uns aos outros.