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O Sítio

Dispositivo-sintoma

Por Vitor Velloso

O Sítio

Há algum tempo, temos visto obras dramáticas se aproximarem de determinadas características narrativas do terror, seja para tensionar gêneros historicamente tão próximos, seja para utilizar os dispositivos do terror como gatilhos para o funcionamento desse drama. Se, por um lado, esse tipo de exercício consegue trazer algum tipo de reflexão interessante sobre os gêneros, suas categorizações (cada vez mais complexas) e particularidades, por outro, também se torna uma muleta para expor a perspectiva da sociedade contemporânea perante atitudes cruéis, falta de empatia etc.

O problema é que “O Sítio”, dirigido por Silvina Schnicer, tenta juntar suas referências na tentativa de criar um mosaico próprio desses referenciais, seja por sua temática ou por sua ambientação, embora nem tanto por sua linguagem, como comentaremos adiante. Assim, o filme tenta alargar o lastro de implicações narrativas para as atitudes específicas de suas personagens, entendendo que, nesse universo, a presença da morte é algo comum e tão normalizado quanto banalizado, especialmente quando o fator “violência” não está diretamente posto nessas imagens. Aqui, não cabe questionar se esse pensamento procede ou não, nem se a verve política por trás dessa reflexão está diretamente vinculada a uma lógica do capitalismo contemporâneo que dessensibiliza diferentes aspectos da convivência cotidiana e geracional. Contudo, parece bastante sintomático que esse espectro que cobre o longa seja tomado por uma linearidade quase asséptica, como que aceitando sua monotonia e sua rotina como parte de um ritual com características macabras, por vezes interrompido por um rato pisoteado ou alguma outra demonstração de descompasso, físico ou emocional. Nesse sentido, é claro que “O Pântano” (2001), de Lucrecia Martel, é uma referência explícita, mas a proposição repetitiva do homem desnudo indo à piscina soa como um aceno tolo, um esforço de gerar estranhamento por alguma birra própria, quase infantil.

Aliás, existe um quê de infantilidade em diversas proposições de “O Sítio”, não apenas por assumir majoritariamente a perspectiva das crianças, que estão longe de apresentar uma performance infantil, mas também quando o filme procura trabalhar nessa tênue linha entre o terror e o drama, oferecendo ao espectador alguns planos característicos, com referências claras e movimentos de câmera sugestivos, quase como se se esforçasse para esclarecer suas intenções ao público, em uma atitude didática com breves contornos constrangedores.

Se os primeiros minutos do longa são interessantes pelo estabelecimento do conflito inicial e das relações que iremos acompanhar ao longo da projeção, muito disso se deve ao trabalho de Iván Gierasinchuk, que consegue atuar em dimensões espaciais distintas, experimentando diferentes formas de representação para diferentes cenários e sensações, criando uma atmosfera de distinção própria. Isso ocorre desde a exploração inconsequente das crianças e suas inerentes atitudes um tanto sádicas até o estabelecimento dos pais, seus conflitos e a lógica desse largo desconforto do “não dito” e, em especial, de uma negação constante.

Porém, a montagem, assinada por Ulises Porra, não consegue estabelecer um ritmo claro para o desenvolvimento das ideias em “O Sítio”, criando uma eterna disritmia que utiliza situações estranhas desse cotidiano, algumas quase performáticas, para tentar gerar alguma perturbação histriônica no andamento da narrativa e na revelação de segredos. Isso parece ter apenas o intuito de criar um suposto pico de interesse ou tensão na história, ainda que a monotonia geral seja a regra do projeto. Dessa forma, é um filme que vive num descompasso interno que afeta gravemente a experiência, seja pelo início promissor seguido de uma queda progressiva, seja pelo tedioso e preguiçoso pessimismo que assola esse tipo de construção. Pode não chegar ao nível de “Sirat” (2025), de Oliver Laxe, até pelas diferentes escalas, mas é igualmente passível de questionamentos.

Por fim, “O Sítio” tenta ser um “Cría Cuervos” (1976), de Carlos Saura, com uma roupagem do cinema argentino dos anos 1990, mas trazendo discussões e perspectivas contemporâneas, todas atravessadas por uma falta de perspectiva horizontal que só a noção de um capitalismo entranhado nessas diferentes formas de representação pode estabelecer na filosofia estética de uma obra. Seja como pequeno experimento, exercício ou filme-dispositivo, o projeto de Silvina Schnicer se apresenta mais como um filme-sintoma e menos como um espaço de reflexão para as inúmeras ideias que surgem na tela. O que é uma pena, pois a quantidade de temáticas que superficialmente riscam nossa experiência com o filme parece funcionar apenas como adornos de uma construção sem fim definido.

2 Nota do Crítico 5 1

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