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O Presidente Improvável

Os paradoxos da propaganda

Por Vitor Velloso

O Presidente Improvável

“O Presidente Improvável” é um documentário que representa parte da crise política brasileira contemporânea, onde a democracia se vê na berlinda de um produto particularmente criado pelos europeus e fundamentado pelos norte-americanos, enquanto presta homenagens às alas mais acentuadas ao academicismo brasileiro, fonte fundamental da manutenção ideológica no país. O filme de Belisario França é uma espécie de continuação conceitual de “O Paradoxo da Democracia” (2019), onde a grande centralização do debate gira em torno das diferentes concepções da transição para o período, conhecido como democrático, na recente história política brasileira.

O diretor parte de uma reconciliação da bipolaridade fundamentada na dicotomia promovida por forças externas, onde as figuras centrais, impulsionadas pelo Sebastianismo herdado do período colonial ibérico pode ser reestruturado em diferentes versões, tanto no caráter pragmático e aparentemente inofensivo da digestão moral da pobreza, quanto na reestruturação de um plano econômico que reforça a dependência nacional perante o capital internacional. Em verdade, “O Presidente Improvável” é um amplo longa institucional de cunho demagógico, onde a figura de Fernando Henrique Cardoso surge como um intelectual proeminente, severamente humilde de suas habilidades, que ascende ao poder através de um vácuo eleitoral. Está certo que a obra passa batido por diversas questões, desde a aceitação da figura em determinados movimentos culturais à reivindicação, seguida da negação, da parte liberal da teoria da dependência. Essa vertente apenas dialoga diretamente com a teoria de Álvaro Vieira Pinto, em torno do vale de lágrimas e do constante reforço da coerção através das instituições de poder.

Belisario Franca se tornou um norte em documentários que problematizam questões sociais, econômicas e políticas, mas comete um grave deslize ao retomar a figura de FHC, como um herói humilde que se procura se redimir diante da objetiva, seja por promoção particular ou objetivos que aproximam a política norte-americana com o provável desenvolvimentismo brasileiro. Tal trecho, onde Bill Clinton rasga elogios ao acadêmico, e ex-presidente, sugere uma formalização das raízes impositivas da democracia, tanto por via norte-americana, quanto europeia. Contudo, é nesse jogo humanitário que as entrevistas manipulam o material para que o mesmo possa tornar-se palpável, diametralmente anti-dialético, em que as rupturas com determinadas formas de governar sugerissem tomadas de decisões do governo mais proeminente do planeta. Curiosamente, a temática da ideologia, com a manufaturação da opinião pública através da imprensa, não é uma questão a ser debatida pelo filme, já que a sua maior virtude, segundo Belisario, é a forma como a transição foi realizada de maneira cordial. Não por acaso, quando o longa propõe uma ruptura da continuidade temporal com esse excesso de fragmentação da imagem, ou seu contraste oposto na figura do protagonista, a ideia inicial de reconstruir, de maneira totalizante, a “improvável” eleição, torna-se uma armadilha de ritmo, que arrasta a representação em uma projeção lenta e monótona.

“O Presidente Improvável” é o claro sintoma da falta de símbolos pela luta nacional, na veia da importação ideológica, e a aceitação de um meio-termo que apenas desfavorece o Sul Global. Ou o último acordo do Mercosul com a União Europeia se distingue por completo das formulações das últimas duas décadas? Esses debates permanecem intactos após o período de projeção, tornando toda a experiência em algo verdadeiramente inócuo e unilateral, priorizando uma narrativa totalmente fragmentada da realidade nacional. Por algum motivo, o acréscimo dos depoimentos e diálogos de Nelson Jobim, Boris Fausto, Gilberto Gil, Bill Clinton e Maria Hermínia Tavares, aparenta acrescentar algum valor de troca nessa composição de experiências distintas, onde as Ciências Sociais tornam-se palco para a grande comoção de uma política devastadora e neoliberal, que varreu o Brasil para o período de maior propagação ideológica do desenvolvimentismo rentista. Um exemplo disso é como a montagem procura problematizar os discursos dissonantes através da tela dividida e de uma montagem que recorre constantemente aos saltos temáticos, para que possa reerguer a estrutura de um político em profunda decadência, mas admirado pelos acadêmicos que se filiam às morais progressistas contemporâneas. E tudo isso se traduz em uma estrutura que mantém seu material de arquivo de mãos atadas aos discursos do entrevistado, apenas contextualizando ou referenciando o assunto. Esse vácuo que a linguagem espera ser preenchido pelas possibilidades do diálogo, não se completam pois a atitude de seccionar os espaços da objetiva, em quadros que apenas isolam tais discursos, faz com que essa história, vagamente descrita no título, dê lugar ao culto da personalidade, uma espécie de retrato de um momento político.

Por fim, “O Presidente Improvável” sugere uma espécie de “biografia política não-autorizada”, ainda que contenha o testemunho do herói da obra, fortalecendo os laços particulares do desenvolvimentismo nacional à parte da América Latina. O documentário é tão caótico que é incapaz de se utilizar do material de arquivo para compor a estrutura partidária, claramente reconciliatória, onde a bipolarização, promovida pela democracia importada, é um desconforto na democracia liberal, imperando os inúmeros populistas e “caudilhos”, vulgarmente chamados pelo ex-presidente.

Tal como diversas obras que circulam nos serviços privados de televisão, o documentário parece priorizar a figura, não os feitos. Uma espécie rara de manipulação ideológica, onde a câmera se torna principal figura de uma construção tão desconcertada quanto amiga. Desta forma, conforme o filme avança, fica claro que as intenções estéticas da obra, cessaram na admiração de uma oratória que é apenas descrita no caráter acadêmico, não em uma particularidade em que o contexto, promovido midiaticamente, pudesse, de alguma forma, exemplificar as razões de um título que se perde na própria caminhada.

2 Nota do Crítico 5 1

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  • O site parece fazer referência à Cinema. Não fosse por isso, seria até difícil lembrar que se trata de um documentário, pois o crítico não se preocupa em fazer qualquer análise do ponto de vista cinematográfico.
    A crítica (ou dissertação), com linguagem exageradamente “academicista” e elitista, parece esperar que somente acadêmicos rigorosos pesquisem sobre o tema. Trata-se de um rebate ideológico. O filme parece seguir uma linha e o crítico se esforça para deixar claro que se trata de um panfleto autopromocional. Mas ao enfocar nas questões ideológicas implícitas, a crítica acaba por limitar-se a ser um rebate, um enfrentamento ideológico.

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