Curta Paranagua 2024

O Noivo da Minha Amiga

Xerox e Tenerife

Por Vitor Velloso

Cinema Virtual

O Noivo da Minha Amiga

Se o cinema industrial concebe religiosamente filmes chanchadescos para pagar suas contas anuais e firmar sua posição enquanto movimento imagético de sedução imperialista, “O Noivo da Minha Amiga” chega para explorar parte do moralismo que envolve o casamento e a necessidade de institucionalizar seu compromisso com “a vida” (leia-se, casar e reproduzir). E quando lhe convém… Tenerife. 

Dani de la Orden, diretor, possui uma filmografia invejável para os mais assíduos da máxima: Tão ruim que é bom. Não que necessariamente isso se aplique a todos seus projetos, mas ele alcança a degradação cinematográfica com a mesma velocidade que concebe um riso desajeitado. E neste quesito, não se pode ir longe da centralização do próprio gênero, a comédia, o filme pode provocar uma risada ou outra. Nada muito genuíno. Quando escutamos uma freira dizer “demônios” invés de anjos ou em relações, empíricas, com drogas, e a cena desconcertante do homem que não consegue se manter em pé. 

Essas situações isoladas dão o retrato final do projeto. Tudo está deslocado de uma narrativa objetiva, mas situado em uma zona de conforto da produção, abraçando todos os clichês que consegue, sem proceder em cima das convenções que trabalha. A narrativa poderia ser desenvolvida de maneira direta e compreendendo suas limitações, sem obrigar o espectador acompanhar uma história que já conhece, porém, vale mais utilizar todos os trejeitos concebíveis dentro de pouco mais de uma hora e meia, utilizando cada vácuo, dado pela própria fórmula, uma intenção humorística ou dramática. 

E neste segundo ponto é onde o filme patina com mais veemência, pois nada se completa aqui, tudo é dado através de uma superfície que simplifica suas relações ao próprio esquema das comédias industriais. E mesmo que tente reforçar sua nacionalidade, filmando Tenerife, o faz de maneira prolixa, desleixada, pois parece não compreender as verdadeiras potências imagéticas que se pode construir a partir da localidade. E claro, se pensarmos através desse olhar mais “internacionalizante” do cinema industrial, podemos conceber facilmente uma envergadura simplória para todos os acontecimentos, em torno da cidade. 

Caso o leitor mais atento perceba o excesso de aditivos no texto, compreenda a intencionalidade do mesmo, pois o longa costura sua montagem através da mesma lógica, uma soma desenfreada de piadas prontas e datadas, mas que urge em arrancar uma risada de seu espectador. A proposta se compreende da maneira mais reacionária possível por abraçar de maneira grave e obscena o conluio narrativo construído pelos EUA ao longo de todos esses anos de consolidação da indústria cultural imperialista. Adorno ia se esbaldar com o protótipo de reverência submissa ao país do capital. 

Se os verdadeiros detentores do capital intelectual realizam seus projetos para que uma masturbação cíclica seja mantida, e aqui devo ressaltar meu desgosto com as últimas obras de Straub (aberto a discussões), porque a máquina de realização e de cifras não deve manter sua estrutura exposta de consumo e venda ideológica? Aqui os críticos mais ferrenhos desta fórmula cinematográfica, estou aqui incluso, deveriam olhar pro seio daquilo que vomitam à esmo. Tão religiosamente quanto a indústria, o meio cinematográfico “artístico” (as aspas são quase irônicas) segue premiando à superfície das produções ao redor do mundo. Obras que deveriam receber algum grau de visibilidade são ignoradas no próprio país de produção. “Bixa Travesty”, “Sócrates”, “Azougue Nazaré” foi esnobado nos cinemas brasileiros, para dar lugar ao conluio neo-progressista canhestro que se prezou a divulgar e salientar a “importância” de “Bacurau” para nossa cultura.  

Onde elevamos uma ideia por trás de algo inócuo vazio, “desidratado”, “nada materialista”, como disse André Queiroz (adaptado), deixamos passar obras que levam uma regionalidade no peito, erguem o Brasil ao lugar que merece, sem usurpar da realidade e projetar uma utopia. Filmes como “O Noivo da Minha Amiga” seguirá tendo espaço nos cinemas, goste ou não. A visibilidade depende diretamente do âmbito cultural que se cria em torno de suas realizações, papel fundamental da crítica, pensar por si mesma, sem referenciar terceiros ou se curvar diante do eurocentrismo alienador. 

A fuga do eixo centralizador diz respeito à necessidade do assunto. “O Noivo da Minha Amiga” é a máquina copiadora de cifras que vemos ao longo dos anos, sem tirar nem pôr. Debruçar os esforços e os ânimos em uma obra como essa, significa ponderar essa subordinação cultural incisiva, explícita, vulgar. A Espanha nos joga sua obra norte-americanizada, que a devolvemos em tupi, or not, mas lembrando que o “Windows não suporta esse arquivo”, breve lembrança do monumento João Ubaldo Ribeiro e sua fala acerca dos “erros de português”. Devemos aprender, não reproduzir. 

2 Nota do Crítico 5 1

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