O Melhor Amigo
Do curta ao longa, as noites musicais do Ceará
Por Fabricio Duque
É inevitável que em algum momento da vida, o profissional cineasta escolha a forma mais fácil e confortável para obter seu sucesso, que é lógico, principalmente ser for brasileiro e neste agora, ter seu nome exposto mundialmente no Oscar. Mas nosso realizador brasileiro, o nosso “Pacarrete” Allan Deberton prefere mesmo não cair nessa armadilha e seguir sempre o coração. E assim seu novo filme “O Melhor Amigo”, em questão aqui, corrobora o anterior ao se apresentar como um filme autoral e de muito sotaque nordestino, bem coloquial e de verdade orgânica, ainda que isso tudo implique numa narrativa que mais leve, de complexidades simples, que pode até soar um pouco mais caseira e amadora, por expor sem filtros a alma passional e de querer impulsivo de suas personagens, num que traduz o sensorial dos mais genuínos comportamentos humanos enquanto indivíduos sociais.
“O Melhor Amigo”, baseado no curta-metragem homônimo que o diretor realizou em 2013 (com Jesuíta Barbosa – que aqui no longa deu o lugar para o ator Vinicius Teixeira), é um filme-romance de situações, em que o acaso e a sorte ditam a condução do caminho da personagem principal, que usa as “coincidências” para assim entrar em processo (aprendizagem) terapêutico de libertação dos padrões e costumes já internalizados e automatizados ao longo dos anos nas relações amorosas. “O Melhor Amigo” é sim um filme assumidamente gay. Flerta-se com o “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes, só que mais ingênuo, porque quer apresentar vidas na normalidade da sociedade (aqui a obra não busca questões de preconceito e homofobia – apenas as já tradicionais e universais quereres existenciais do amor). Sim, é um filme de amor, visual e idealizado.
Isso tudo faz com que “O Melhor Amigo” se comporte como uma obra despretensiosa em sua essência, com leveza e, sim, com muito tesão. Este filme é sobre como viver, como agir e como lidar com os constrangedores momentos naturais e derivativos da existência, principalmente as antigas paixões, que despertam uma sensação de passado não resolvido. E a sexualidade não é uma questão. Talvez não caiba aqui nem uma menção às obras de Marco Berger e sua sugestão brotheragem de ser. O longa-metragem desenvolve-se também pelo gênero musical, bem à moda de “La La Land“. E/ou “Amor Sublime Amor”. Se é real ou não, e/ou projeção mental da personagem, tanto faz. O que importa é a diversão certeira dessas performances musicais, que funcionam como uma representação-reflexo, extensiva, ao cotidiano nosso de cada dia, este que vivemos de forma automatizada e mecânica sem o perceber racionalmente.
Outro ponto é que “O Melhor Amigo” não quer resolver a personagem com um final feliz definitivo, mas sim sugerir o processo, o movimento e o fluxo de novos acasos futuros. O que será dali, ninguém sabe. E assim é a vida, no melhor estilo dos Irmãos Coen, em que a vida não se estabiliza quando o filme acaba, continua aberta e à “espera” de novas reviravoltas. Essas percepções talvez estejam impressas na própria imagem, fotografada com cores vivas, editada de forma não hesitante, num que de atemporalidade presente, nos permitindo a imersão pela identificação, porque nós também já passamos por isso. E a personagem principal têm em si muitas outras questões a serem resolvidas para entender o que não deve fazer mais. Muito mais que o simples teatro de amenidades que vivencia.
Toda essa jornada de autoconhecimento (ora com realismo expandido, ora com metafísica etérea) é uma mentoria, que depois de aprendida, buscamos não mais repeti-la. Mas também sabemos que não é tão fácil controlar nossos impulsos e desejos, o que desencadeia algumas recaídas pelo caminho. Então, vale tudo: festas, consultar-se com uma taróloga (para tentar prever o futuro e “errar menos”), aceitar aventuras, soltar-se no caraoquê especial. “Quando a gente não tem nada a perder, aí é que a vida começa”, diz-se. O cenário de “O Melhor Amigo” é em Canoa Quebrada (em que “todo caminho se cruza”), município do Ceará (terra natal de seu diretor) e foi filmada em Aracati. Esse ambiente de férias, solar, quente e paradisíaco, de felicidade desmedida, de necessidade de estar alegre o tempo todo para aproveitar o descanso, tudo faz com que a experiência do protagonista seja muito mais aumentada. Essa amplificação (crível e possível) pode dar mais insights em uma semana que numa vida inteira prévia.
E sim, “O Melhor Amigo” tem artifícios midiáticos em cena, como a inserção da marca Telecine nas conversas, uma das parceiras direta do filme. E sim, há outros gatilhos comuns narrativos, que facilitam as resoluções do roteiro. Contudo, se partimos do ponto de que não há filme perfeito, e que todas as obras são medidas entre escolhas acertadas ou não, este longa-metragem consegue pela maior parte do tempo um resultado mais que satisfatório, mais que divertido, mais que humano, mais que de despretensão empática.