O Exterminador do Futuro
Arsenal Canônico
Por Jorge Cruz
Quando maratonamos a franquia John Rambo, abordamos a forma como James Cameron estruturou o roteiro de “Rambo II: A Missão”, um ano depois de seu primeiro grande sucesso “O Exterminador do Futuro”. Apenas dois anos depois da estética de ruas cheias de lixo, sempre úmidas e com muita fumaça ser apresentada por Ridley Scott em “Blade Runner, o Caçador de Andróides”, a partir da transposição das crises das grandes cidades sofridas naquela época nos Estados Unidos, Cameron inova ao transportar o futuro para o presente, a partir de uma trama onde o Exterminador (Arnold Schwarzenegger) é enviado de 2029 para 1984 com o objetivo de assassinar Sarah Connor (Linda Hamilton). Tanto Los Angeles quanto Nova Iorque não estavam sabendo lidar com a escalada de violência, a partir de gangues e Hollywood absorveu essa proposta de representatividade territorial como nunca naquela época.
O roteiro é pautado pela ausência de floreios. Mesmo que seja o único filme da franquia em que um humano realiza uma viagem no tempo (no caso, Kyle Reese, vivido por Michael Biehn) não há perda de tempo com debates iniciados por choque geracional ou diferentes tecnologias. A linha mestre é mostrar a batalha para matar ou proteger Sarah e somente isso basta para o longa-metragem se revele um bom filme. Até mesmo a introdução desse argumento se dá de maneira bem dinâmica, com os dois personagens do futuro espelhando comportamentos ao procurar na lista telefônica, objeto que caiu em desuso há muito tempo, o nome da protagonista.
A trilha de Brad Fiedel adiciona a essa estética oitentista já mencionada uma ação de videogame de 16 bits, abusando dos sintetizadores. Há uma urgência na cena, obrigatória pela programação perfeita do sistema do Exterminador, que decide quem matar a partir de cálculos instantâneos. O trio Cameron, Schwarzenegger e Fiedel se repetiria na continuação de “O Exterminador do Futuro” e em “True Lies”. Em comum, obras que promovem a caos a cada sequência de ação, todas pautadas em muita destruição. O roteiro, aliás, aposta em um envolvimento romântico de Sarah e Reese por sugestão do estúdio, Orion, que fez de tudo para não se intrometer no trabalho de Cameron. Além dessa proposta, outra foi feita e – ainda bem – ignorada: a ideia de um cachorro ciborgue que acompanhasse o personagem de Biehn quando ele viajasse para 1984.
A icônica imagem de Arnold no papel de Exterminador foi resultado de muita disciplina em sua preparação. Ele estudou a montagem e o manejo de armas o máximo que pode e evitou interagir no set com Hamilton e Biehn. Também era comum seguir usando a maquiagem do personagem após as filmagens. Com apenas catorze falas, algumas delas até hoje são relembradas pelos cinéfilos, como a clássica “I’ll be back”. Interessante que, apesar de muito lucrativo, essa primeira produção da franquia não foi um arrasa-quarteirões nos cinemas. Ao custo de seis milhões de dólares, arrecadou nas bilheterias dos Estados Unidos pouco menos de quarenta, sendo apenas a 21ª maior de 1984, atrás de filmes hoje pouco lembrados como “Breakdance” e “Amanhecer Violento”.
O protagonismo de Sarah Connor é muito bem defendido por Linda Hamilton. Uma construção narrativa que leva a personagem ao limite já no início do segundo ato, quando finalmente receberemos – junto com ela – as informações necessárias para entender o que está acontecendo. Dentre elas, a construção da fatídica Rebelião das Máquinas, que se desenvolveria para o Juízo Final que fundamenta a clássica sequência de 1992. O auge da crise se dá no assassinato da amiga Ginger (Bess Motta), uma das sequências da franquia que melhor usa a câmera lenta, artifício reiteradamente aplicado. Há um início de discussão de maternidade, mesmo que acidental. Sarah é uma jovem que não se imagina mãe e parece que o futuro está ali para se certificar de que ela cumprirá essa missão gestativa.
Todo o arsenal canônico que será revisitando nos diversos longas-metragem seguintes estão bem fundamentados em “O Exterminador do Futuro”, tornando essa franquia coerente, mesmo com quase quatro décadas de existência. Se esteticamente, Cameron bebeu na fonte das distopias produzidas à época, na imediata continuação seria possível criar uma linguagem própria. Usando uma base limitada de personagens (apenas três possuem tempo de tela relevante), ultrapassados os efeitos visuais datados de seu clímax, o filme até hoje possibilita aproveitar a observação sobre pioneirismo tecnológico com uma boa diversão.