Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Julho

O Esquema Fenício

Entre acidentes de percurso

Por Fabricio Duque

Assistido presencialmente no Festival de Cannes 2025

O Esquema Fenício

As obras cinematográficas do realizador americano Wes Anderson vendem, acima, e antes de tudo, uma ideia. Uma estética hipster. Uma embalagem fetichista do olhar. Seus filmes são exercícios de linguagem construídos essencialmente no visual e no comportamento teatralizado de suas personagens, que existem em ambientes simétricos com tons de uma conflituosa paleta de cores em filtro peculiar e que já virou sua assinatura. Para que assim, pela extravagancia chamativa e pela idiossincrasia espalhafatosa, como uma bizarro lente de aumento, possa apresentar uma paradoxal crítica sócio-comportamental dos seres humanos contraditórios que estão em nosso coletivo (e que moldam suas existências unicamente por suas vontades mais esquisitas). Sim, sempre que Wes lança um novo filme, inevitavelmente, reacende-se questões sobre se sua narrativa de estética consegue segurar todo um filme nas costas.

Pois é, o cineasta americano de 56 anos já traz embutido em seus filmes uma forma muito peculiar de contar suas histórias: a condução, como já disse, da estranheza teatral, num conceito de ações ensaiadas, propositalmente robóticas (com um que de soldados em missões definitivas da vida), que gera a sensação de um cotidiano surreal. Esse bizarro visual, com aura de espontâneo, pelo filtro particular de cores apáticas em tom quase negativo, é o verdadeiro motorista e protagonista de suas obras. Assim, a trama acontece na superfície dessas embalagens, aprofundando seus dramas pela comédia awkard da vida privada, excêntrica e de movimentos pastelão em fluidez subjetiva. Mas seu novo filme “O Esquema Fenício” busca fugir das armadilhas estéticas de seus trabalhos anteriores para resgatar a essência das personalidades genuínas e tipificadas dos comportamentos humanos, traduzidos como arquétipos cosplay do que encontramos na vida real.

Tudo aqui em “O Esquema Fenício” pode ser lido como uma fábula. Como um coloquial conto de fadas moderno em que personagens são menos coletivos, com menos tato social, com um pragmatismo que beira a robotização automatizada de retroalimentação de reações. Sim, construir uma fórmula pode causar isto: uma padronização da criatividade inicial e desencadear filmes iguais, sem nada a acrescentar após o debut da “inovação”. Só que Wes ainda acredita e ainda tenta arduamente “tirar leite de pedra” de suas invenções. Neste em questão, exibido na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2025, busca-se o além: desconstruir a própria forma com “extras”, com plus narrativos. Então, em “O Esquema Fenício” a história nos mostra (e nos desnortear) informações técnicas demais, com entendimentos subjetivos demais, soando tudo como uma sequência de ações sem sentido, embasada no fato de que essa verdade e esse propósito só existem a quem deseja.

Essas regras mais malucas, mais insanas e mais ininteligíveis, trazidas pela personagem principal, um multimilionário, são correntes consequentes de uma pessoa que tem uma ideia, que tem meios de financiá-la e que pode as colocar em prática. É como brincar de ser deus. De acreditar demais no próprio taco. De ser imortal e invencível (quando não se tem nada a perder, o medo não existe – e parece que o universo ajuda mais na sobrevivência highlander de ser). É aí que Wes entra para transformar toda essas sandices em chacota, numa picardia estética. “O Esquema Fenício” traz o exótico de uma coleção botânica, por exemplo, o esdrúxulo, o estapafúrdio. Essa fábula estética, em que tudo é performático e em tom de caricatura, parece ser a de um sonho acordado e/ou de uma experiência de coma induzido e/ou de uma sensação sonâmbula de vontades injetadas. A realidade então está então nos detalhes, na vida acontecendo, e é retratada pela observação do olhar sobre o cotidiano.

“O Esquema Fenício” é um filme de imagens, de metalinguagem cênica, de planos distantes, cirúrgicos, metódicos, simétricos e precisos. Há um cuidado também para não bagunçar essa mise-en-scène (entre) o hipster e o kitsch. Suas personagens, maníacas e de instinto animalesco-selvagem, comportam-se e falam com verborragia (muito acelerados) como jogadores de poker (sem dar nenhuma bandeira no olhar), entre blefes e verdades. E há os ruídos, que interferem a própria cena como reconfigurações da rota. O longa-metragem, logicamente, e tipicamente norteamericano, não poderia deixar de fazer humor xenófobo. Sim, trocando em miúdos, “O Esquema Fenício” é uma crítica às vontades dos ricos, que não querem esperar nada, que não se preocupam com os direitos humanos, que resolvem brigas (desavenças e negociações) no basquete e que gritam seus argumentos. Nenhuma das pessoas ali parece humana. E tudo é exagerado. Seus acidentes e seus acessos mentais. Pois é, o novo longa de Wes Anderson é na verdade um acidente de percurso, que conta com o acaso para finalizar as missões. Se é possível traduzir e definir o que é seu cinema? Não, de forma alguma. Podemos dizer para concluir que a projeção objetiva de seu resultado esteja apenas na experiência vivenciada de farsa compartilhada e cúmplice. E tudo com um elenco de peso, que “atropela tudo o que estiver no caminho”.

3 Nota do Crítico 5 1

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