Mostra Um Curta Por Dia 2025

Névoa Prateada

Superfície tocante, profundidade opaca

Por Paula Hong

Festival de Berlim 2023

Névoa Prateada

Silver Haze

Feelings (sentimentos): Talkative, energetic, uplifted (falante, enérgico, elevado)

Negatives (negativas): Dry mouth, paranoid, dizzy (boca seca, paranoia, tontura)

Helps with (ajuda com): Stress, depression, anxiety (estresse, depressão, ansiedade)

Análogo aos efeitos da cannabis Silver Haze (e também título original do filme Névoa Prateada), a diretora holandesa Sacha Polak (“Dirty Good”, “Hamel”, “Zurich”) retrata a vida da jovem Franky (Vicky Knight), uma enfermeira carismática do leste de Londres, através de vários estados, sobretudo emocionais, que navegam pela euforia, tristeza, raiva, vingança e outros antagônicos (e complementares, em certa medida) como conforto, amor, felicidade, propósito e busca por justiça. Movido por essa confluência, o novo filme de Polak passa mais tempo colocando sua personagem à prova de situações com a finalidade de fazê-la apaziguar suas angústias e entender seu lugar na realidade na qual se insere do que apressar um desfecho que ponha fim definitivo às turbulências da vida. 

A dubiedade inquietante da relação de Vicky com o fogo, algo que lhe deixou queimaduras pelo corpo devido a um incêndio na infância, é colocado logo no início do filme: a chama do isqueiro que queima a droga que consome com frequência; talvez para fins de uso medicinal e, mais tarde, passou a ser de uso recreativo. Os sonhos confusos que remontam às lembranças do fatídico dia do acidente que levanta suspeita (mais tarde comprovada) de ter sido intencional. Essa inquietação ascende outras dúvidas em sua vida, por vezes reforça outras, como o relacionamento decadente com o namorado, a quem não ama; a relação com a família pertencente à classe trabalhadora, principalmente com a mãe em estado letárgico pelo abandono do marido após o acidente, que passa a viver com a amante e construir outra família; sua autoestima, como se relaciona com seu corpo. 

Nessa introdução, a fotografia se coloca como testemunha íntima daqueles espaços apertados da casa, que fornecem pouco respiro e calmaria para Vicky. Em contraste, o hospital, apesar de deixá-la ocupada, as conversas com a amiga de trabalho nas pausas entre os turnos, as viagens de ônibus banhada pela luz do sol — são nesses momentos em que a personagem parece poder escapar da realidade que sempre encontra uma forma de confrontá-la e pôr abaixo as arestas que fortificam qualquer chance de estabilidade em diversas instâncias da vida. Aqui, a câmera, com planos médios e estáticos, porém menos duradouros, fica mais afastada, ao mesmo tempo mostrando que a calmaria é possível, mas também é efêmera. A diretora mostra destreza na qualidade das escolhas estéticas ao mostrar um outro lado de Londres, costurando um ínterim transitório entre dois pólos. 

Suas incertezas tornam-se combustível para plantar mudanças tanto físicas quanto nas relações. Após o término do namoro, sua atenção é voltada para a busca de justiça e para Florence (Esme Creed-Miles), uma paciente que, após uma tentativa de sucídio, é brevemente cuidada por ela no hospital onde trabalha, e por quem, eventualmente, se apaixona. As duas parecem complementares, fornecendo mútuo afago para as dores e as inconstâncias que compartilham. Após um episódio de homofobia pela própria família, Vicky muda-se para a casa de Florence, mais para o subúrbio. Lá é onde a intensidade do relacionamento escalona ao passo que encontra, na família da namorada, um refúgio estável para lidar com os traumas do passado. No entanto, o processo se mostra difícil devido à instabilidade de Florence e, aos poucos, a relação se desgasta apesar dos bons momentos.

O encadeamento de situações em “Névoa Prateada” acumulam tensões que servem muito mais para dar material de desenvolvimento do talento da atriz não profissional Vicky Knight do que para oferecerem uma abordagem interessante do recorte escolhido. A meticulosidade de Polak às vezes limita a possibilidade de extrair melhor coerência dos acontecimentos. O salto brusco da vida de Vicky após a chegada de Florence, trazendo um turbilhão de desafiador e atraente ao mesmo tempo, pode até ser justificado pelos percalços naturais da vida, sobretudo quando a sexualidade floresce sob circunstâncias que não são ideais — afinal, qual pessoa LGBTQIA+ não foi confrontado com baques normativos da sociedade?

No entanto, “Névoa Prateada”, exibido no Festival de Berlim 2023, apresenta incômodos para além das inconstâncias: a névoa (sobretudo metafórica) que rodeia Vicky mostra-se mais desafiadora de entender do que suscitar empatia ou alteridade de quem assiste. É uma trama tocante, mas decai à medida que o desfecho se aproxima: o complô de boomerangs de idas e vindas entre Vicky e Florence, entre Vicky e sua família, entre perdas e ganhos, parece compôr formas alternadas de desviar e embaçar o motor inicial da história, de modo que enfraquece a intenção de tornar a visão da personagem mais nítida, trazendo uma perspectiva de justiça menos motivada pela vingança e mais pela assimilação dos fatos. Por fim, mesmo que não se sustente, a beleza do filme está no início de calmaria que ela consegue encontrar, apesar de tudo.

2 Nota do Crítico 5 1

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