
Mostra de Tiradentes 2020 | Curtas Mostra Foco 1
A primeira parte crítica dos curtas-metragens
Por Vitor Velloso
Dentro da programação da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes a sessão da Mostra Foco – Série 1 que aconteceu na segunda-feira, dia 27, logo após a primeira exibição da Mostra Aurora, foi uma sessão com esclarecimento político bastante direcionado à realidade nacional contemporânea.
OS CURTAS-METRAGENS
RANCHO DE GOIABA. O primeiro curta-metragem da sessão, “Rancho da Goiabada” de Guilherme Martins, conta a história de um trabalhador que possui três jornadas de trabalho para que possa viver com dignidade em São Paulo. Corta cana, trabalha em um hotel e vende filmes nacionais no transporte público. O projeto mostra a dificuldade de um brasileiro em ter que realizar múltiplas jornadas de trabalho para conseguir pagar suas contas, além de discutir paralelamente a situação cultural de um país que se recusa a consumir a própria arte. Um dos pontos interessantes da obra é como ela dialoga a questão do trabalhador como um ser brevemente alheio da sociedade, que acaba elegendo prioridades capitais em sua vida, por uma questão de colonização brutal dos hábitos diários dos brasileiros. Ele fica sonhando com o carro dos sonhos, cai nas tentações carnais que lhe parecem confundir a virilidade com a dominância de poder. Não só o protagonista, mas também seus colegas de profissão, não à toa, um dos cortadores de cana de açúcar acredita ser mais fácil ser o empregado de uma empresa que o patrão que manda e desmanda em seus diversos funcionários. O curta-metragem é extremamente eficaz em sua discussão, principalmente na sedução direta da imagem em projeção aos marginais da rua, que dividem pinga e chupam tangerina. Um ode à cinematografia nacional e à luz na escuridão, que não salva, mas pode dar o suspiro necessário para que haja esperança nestas terras tupiniquins que tanto nos agride diariamente.
MINHA HISTÓRIA É OUTRA. A segunda sessão foi “Minha História é Outra”, de Mariana Campos, curta-metragem carioca que vai relacionar a negritude de mulheres que se vêem à margem da sociedade, que somada ao fato de serem homossexuais, são violentadas pela sociedade machista e racista que vivemos. A força da obra se encontra no retrato cotidiano de parte do grupo, que discute sobre como a periferia é excluída em pequenos setores sociais, ainda que haja um verniz que tente negar isso. Em um dos momentos mais potentes do documentário, Ronilso Pacheco ora com um dos casais presentes no filme. O ato é de uma coragem ímpar, por não permitir que o ódio dos fundamentalistas religiosos seja aplicado com a indecência corriqueira, pois a incapacidade de agressão de duas mulheres que oram juntas, é total. “Minha História é Outra” se tornou um dos curtas-metragens mais comentados da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, por reconhecer no cinema essa capacidade de transformação de determinados padrões da sociedade e dar o caminho para que algumas lutas não sejam desvirtuadas com a padronagem da ignorância de um grupo, ainda que progressista.