Minha Irmã
Entre próximos e casuais
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2020
Há quem diga que a maioria dos filmes exibidos em festivais se configure por uma padronização estética. Uma repetição vanguardista com afã de “redescobrir a roda”. Exibido na mostra competitiva do Festival de Berlim 2020, “Minha Irmã”, das realizadoras suíças Stéphanie Chuat e Véronique Reymond (de “La petite chambre”) causa essa sensação logo na primeira cena ao remeter aos filmes dos Irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne a estrutura narrativa de imersão imediata na ação-consequência não necessariamente dependente de informações passadas. Aqui, a forma aglutina também outras geografias e referências, como o cinema romeno, direto, de realista moralidade questionadora e sem a sensibilidade de lidar com uma doença, entre mala arrumada, câncer, sangue, transplante, quarentena e “autoridade no sexo”.
A metalinguagem de “Minha Irmã” vem do teatro. De ator e diretor, mas o foco está na existência orgânica do ser e não do personagem, especialmente pelo desenho de som, que confronta o fora com o dentro, causando desconforto e conflito de ambientes. Um simbolismo ao processo de criação por escolhes e transformações de não mais ser o mesmo. Essa execução desenvolve-se por fotos antigas, reencontros cruéis, atravessamentos brutais, política e a problemática ofensiva-defensiva-desumana com a figura materna (e sua rotina “Rilke“). A pressão imposta por tudo “sempre” ter que ser “perfeito”.
Ainda que nós espectadores encontremos todas essas hostilidades mal-resolvidas e frustradas (em maestrias interpretativas) e infiramos ao modelo Dogma 95 de ser, ainda assim o tom do filme soa encenado demais, como uma over ópera-trágica, apelando algumas vezes à ingenuidade de seus gatilhos comuns (explicar e facilitar a degustação do roteiro ao público que o irmão é gay por uma foto, unha pintada, marido insensível, família ateísta-protocolar e movimento “maquinário”). E/ou quando o personagem fica irritado e vai dançar com uma peruca azul, sinalizando inclusive citações a Hansel e Gretel (João e Maria, do conto de fadas dos Irmãos Grimm), e a diferença dos gêmeos (Lisa e Swen) por “dois minutos” do nascimento.
As diretoras não se deram conta de que ao optar pela fórmula do “neo-existencialismo”, o longa-metragem retroalimenta clichês. Repetições estruturais. Dessa forma, o novo deixa de ser novo e único. Deste ponto em seguida, reverbera-se as características do melodrama e suas causas típicas. Marido mesquinho e egoísta. Comportamentos mimados, urgentes e impulsivos. Reações sentimentais e demasiadamente dramáticas, com desmaio e tudo. Então, para continuar, o roteiro precisa criar situações. E improvisar. Emoções potencializadas e bolo queimado. O corpo recusando a nova condição. “Minha Irmã” perde completamente o ritmo, por causa da condução solta e à deriva, implorando por salvação e cumplicidade de sua audiência. Talvez passe pela cabeça do espectador de que tudo isso seja uma analogia à profissão de Swen, um famoso ator de teatro em Berlim, que quando descobre a leucemia, importa o ensaio ficcional para a própria vida real. Pois é. Não, esse talvez não consegue entrar em nossas perspectivas-possibilidades.
A sinopse oficial do Festival de Berlim em seu catálogo define “Minha Irmã” como um narrativa “binária de maturidade, movimento e complexo drama”, que “explora o significado da saúde e do sacrifício” e a “integridade das relações adultas”. Todos ali estão em um conto-de-fadas. Eles, João e Maria, à espera de doces-felicidade e de encontro com a “bruxa má” (a própria realidade e o restante da família). Na entrevista a Tom Grater da Deadline, as realizadoras disseram que o tema foi pessoal, porque as duas são “almas gêmeas” e trabalham conectadas com a “complementação de ideias”.
Concluindo, “Minha irmã” nos leva a entender que o cinema mudou. Não pela radicalidade de morte decretada por Jean-Luc Godard, mas por nivelar o básico como profundo. Ainda que este seja filme de trio-atores: Nina Hoss (atriz de “Phoenix”, de Christian Petzold), a irmã Lisa; Lars Eidinger (ator na segunda temporada de “Sense8”), o irmão; e Marthe Keller (atriz de “A Economia do Amor”, de Joachim Lafosse), a mãe “vilã”, e assim a responsabilidade de se desconectar do agora para criar uma naturalista interpretação de tempo metafísico é talvez o objetivo mais difícil de todos. “Minha irmã” pode inclusive (uma pena) adentrar à lista de filmes-casuais. Daqueles que causam amnésia após sua exibição. Que seguram o espectador com uma ou outra maestria, mas, que, no final, a mente sinaliza um “Próximo!”.