Mostra Um Curta Por Dia 2025

Meu Verão Com Glória

O soro das relações

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2024

Meu Verão Com Glória

O novo filme de Marie Amachoukeli (de “Party Girl), “Meu Verão com Glória”, é um drama que segue um caminho seguro dentro das obras que exploram afetos e sutilezas nas relações interpessoais. No entanto, o projeto aborda uma temática mais delicada do que a maioria dos filmes sobre afeto, pois toca em questões como relação de trabalho, poder e a recorrente representação da criança que nutre grande carinho por sua babá e vice-versa.

Essas obras normalmente evitam as arestas mais espinhosas do desenvolvimento temático em torno das relações entre patrão e empregado(a), recusando-se a debater a complexidade desse vínculo de forma concreta. Em vez disso, mantêm-se sob a égide do afeto, relegando a materialidade da relação a segundo plano ou mesmo ignorando suas implicações. De toda forma, “Meu Verão com Glória” é mais um longa que evita qualquer polêmica e percorre os caminhos mais seguros, intencionando sua isenção política e apostando exclusivamente no trabalho excepcional de suas atrizes — Louise Mauroy-Panzani, no papel de Cléo, e Ilça Moreno, no papel de Glória — para representar todo o afeto que o roteiro, assinado por Marie Amachoukeli e Pauline Guéna, procura explicitar ao espectador.

Nesse sentido, o filme é bem-sucedido ao demonstrar que, apesar do distanciamento concreto entre as duas personagens — filha do patrão e babá, respectivamente —, o sentimento sincero que uma nutre pela outra se sobrepõe a essa barreira. Não por acaso, em um dos momentos mais singelos da película, Cléo diz a Glória que acha estranho o fato de que a maior parte de suas memórias são com sua babá. Essa sequência ilustra como o trabalho, em um mundo capitalista, pode destruir a relação entre pai e filha, impossibilitando que as memórias construídas sejam com o pai e limitando-as à babá. No entanto, como é padrão na indústria, o filme não tensiona essa discussão, tampouco questiona de que forma a babá ocupa esse espaço na vida da menina.

Procurando uma maneira de expor como essa relação se estabelece, “Meu Verão com Glória” aposta na síntese de sentimentos por meio de animações, alegorias e recortes que buscam demonstrar o fortalecimento do vínculo entre as personagens. Ainda assim, tais recursos acabam evidenciando as inconsistências do projeto em firmar seu próprio desenvolvimento narrativo, levando-o a recorrer a dispositivos limitantes. Embora auxiliem na construção da atmosfera do filme, esses artifícios denunciam os atalhos utilizados por um roteiro que carece de constância para trabalhar sua própria identidade ao longo da trama. Dessa forma, apenas as atuações centrais não são suficientes para sustentar o projeto, que acaba permitindo que diversas particularidades dramáticas escapem com facilidade.

Até mesmo o clímax de uma tensão oriunda dessa relação — a cena em que Cléo sente ciúmes de Glória — é uma construção relativamente óbvia para o espectador minimamente atento à cadência estabelecida pela montagem e pela direção. Assim, ainda que a relação entre os filhos de Glória e Cléo seja cuidadosamente assentada, desde os olhares até as situações construídas, ela frequentemente parece artificializada por uma repetição exaustiva de sequências e diálogos que apenas reafirmam elementos já apresentados anteriormente. Por essa razão, a sensação é de que o longa tem dificuldade em lidar com aspectos que não estejam diretamente atrelados ao seu objetivo central: o afeto entre as duas protagonistas.

Com isso, as demais relações apresentadas acabam se fragilizando, assim como o próprio sonho de Glória de ter um negócio próprio, que precisa estar pronto até a alta temporada. Esses elementos vão se tornando secundários, mantendo o filme preso a uma abordagem idealista e centrada no afeto. Essa característica se reforça ainda mais pela insistência em alegorias constantes para intensificar as sequências mais densas dos dramas das personagens e evitar os espinhos inerentes à complexidade da realidade capitalista que circunda a narrativa.

Por fim, “Meu Verão com Glória” não se sustenta como um drama sólido e tem dificuldade em transformar suas atrizes no pilar de uma obra insegura com suas próprias temáticas. O maior problema do filme está justamente na sua tendência a evitar os pontos mais difíceis das questões concretas que apresenta, preferindo adoçar o olhar do espectador sempre que uma possibilidade de conflito trabalhista ou cultural se insinua no desenvolvimento da trama. É uma pena, pois o brilhantismo das duas atrizes acaba sendo ofuscado por um longa pouco ambicioso em sua narrativa e proposta estética.

2 Nota do Crítico 5 1

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