Mambembe
Entre dois caminhos
Por Vitor Velloso
Assistido durante o Festival do Rio 2024
Transitando entre o documentário e a ficção, “Mambembe” é um projeto carismático, que procura traçar os caminhos sobre a tentativa de se fazer um filme. O longa de Fabio Meira se articula de forma a expor para o espectador o filme que seria realizado, alguns motivos para sua não realização e dificuldades no campo, com a pesquisa e o caráter imaginativo, ou idealista, do que não é possível de ser realizado. Por um lado, é interessante como há um processo criativo sendo exposto para o espectador, com depoimentos pessoais ao longo da projeção, mas ao mesmo tempo utiliza-se de um dispositivo particularmente saturado na cinematografia contemporânea, o uso de uma voz em off sussurrante que já há algum tempo tem sido utilizada de forma tão constante que tornou-se cansativa.
Contudo, a escolha por uma estrutura que prioriza a construção de forma híbrida, tem seu valor, pois além de nos permitir enxergar como essa encenação é construída, temos acesso à algumas dimensões dramáticas dos personagens que com a presença de alguns depoimentos individuais, torna-se enriquecedora para compreendermos suas histórias de vida, trajetórias, paixões e decepções. Ainda assim, as transições, por vezes, parecem apressadas, seja por soluções de roteiro que não acrescentam tanto à narrativa, ou por um certo fluxo de acontecimentos que não parece tão conectado à uma estrutura de arcos de seus personagens. Do mesmo modo, algumas interações entre personagens, encenadas ou não, que parecem refletir sobre liberdade e individualidade, parecem mais escassas do que a proposta inicial apresenta, fazendo o projeto ser parcialmente inconsistente. Não por acaso, conforme o projeto avança, o espectador fica com a sensação de dois filmes diferentes que coexistem, nem sempre de forma harmônica, mas relacionando de maneira de forma frequente, ainda que com fragilidades, esse projeto imaginado, o filmado e o idealizado, com sua representação estabelecida nas relações imagéticas, sem uma discriminação explícita para o espectador. Onde essa falta de transição cria algum desconforto, o filme sabe aproveitar os sentimentos construídos pelos diferentes sentimentos provocados pela construção dramática dos personagens, que acaba funcionando melhor quando há uma exposição direta, através dos depoimentos dados à objetiva.
Nessa perspectiva, “Mambembe” não se apresenta exatamente enquanto um filme a ser realizado ou em constante processo criativo, se estruturando mais como um documentário que procura por seu objetivo de pesquisa conforme registra seus personagens, suas paisagens e seus dramas, encenando ou não. Desta forma, é inevitável que suas fragilidades tornem-se visíveis para o público, pois se há uma clara dificuldade em encontrar um ponto para fixar seu desenvolvimento, para o público a obra permanece em constante suspensão, até que seja permitido experienciar um registro decidido de si. Contudo, enquanto ele não se apresenta, o longa procura seus caminhos ambíguos, em uma constante pesquisa, que apesar de funcionar como um registro cinematográfico em fluxo, capaz de apresentar suas frentes de trabalho, mesmo que as sobrepondo. Enquanto o projeto consegue estabelecer seu foco, o longa funciona bem, demonstrando a relação do topógrafo com as pessoas que estão no circo, as diferentes relações que surgem, suas mudanças e perspectivas distintas. Porém, quando parece acalmar sua pesquisa e definir seu objeto, quebra sua construção e rememora os primeiros minutos, onde apresenta suas intenções, ideias e dificuldades, tornando a perseguir seu próprio filme.
“Mambembe” é irregular até em sua proposição de pesquisa contínua e progressão por um objeto. Essa constância na indecisão custa caro para um projeto que muda o foco com tanta frequência, perseguindo seus personagens, na intenção de um determinismo idealista que possa sugerir um registro definitivo. O documentário possui o mérito em demonstrar parte de seu processo para o público, mas não encontra uma forma de sintetizar suas ambições, ou mesmo de esclarecer quais são elas.