Luz Natural
Dignidade e honra
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
Vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival de Berlim, “Luz Natural” é exibido na Mostra com grande expectativa entre o público. O longa de Dénes Nagy conta uma história sobre medos, incertezas e tomadas de decisões a partir da perspectiva de István Semetka (Ferenc Szabó), um fazendeiro húngaro que serve como cabo em uma unidade especial de reconhecimento de grupos da resistência, na União Soviética ocupada da Segunda Guerra. O filme parte da brutalidade da guerra, seu lado mais obscuro e desumano, mostrando não apenas as ações dos soldados e as barbaridades cometidas por estes, como o impacto psicológico de quem faz parte dessa engrenagem.
Uma espécie de “Glória Feita de Sangue” (1957) com os cenários apocalípticos e acinzentados de um mundo que chegou ao ápice da decadência humana, sua própria violência. Mas de maneira completamente distinta à Jancsó, por exemplo, “Luz Natural” curva-se diante do personagem central e procura mostrar em sua face a desarticulação da humanidade. Sua falta de expressão é a tentativa de se distanciar do ofício, uma mistura de profissionalismo com autopreservação. Porém, com exceção da interpretação de Szabó, as coisas não funcionam bem no arrastado ritmo de um longa que salta da tortura, para a violência da guerra, para os dramas pessoais com uma apatia distinta de seus personagens. A estilização das cenas de batalha, das mortes e de cada vez que um civil é motivo de piada para os militares, lembra todos os demais filmes de guerra que a indústria já produziu, a mesma paleta de cores, a fotografia semelhante e toda uma construção estética que pouco acrescenta ao arcabouço do gênero.
Por mais que a proposta não seja o caráter espetaculoso dessa matança, como em Hollywood, ou a crueldade virulenta do contexto como “Vá e Veja” (1985), o longa de Dénes Nagy está sempre caminhando entre os dois campos, procurando desenvolver os dramas centrais do personagem, enquanto concilia as representações da violência contra a dignidade humana de maneira paralela à guerra em si. E por mais que algumas passagens funcionem como denúncia da banalidade dessa violência, o abuso do poder, a imposição da autoridade via “exemplos”, “Luz Natural” nunca encontra um caminho sem grandes interrupções nessa construção. É como se os fragmentos das situações, nessa encenação sempre inquieta, fossem o suficiente para dar uma totalidade das questões abordadas pelo filme, como se a imagem conseguisse exprimir o suficiente do contexto ou a retirada completa da dignidade humana em suas cenas mais próximas a objetiva pudesse sustentar algo que não se permite ir além da mera exposição. Não por acaso o contexto histórico é sempre turvo, a consciência formal da direção parte da beleza das paisagens para mostrar a devastação, a miséria e a morte. É uma forma de representação utilizada à exaustão, desse universo em decadência e os sobreviventes vagando à procura do que se agarrar para manter a sanidade.
Com isso, nada é muito distinto do que já vimos e toda a encenação até tenta criar um clima volátil, mas nunca chega a dar as ferramentas necessárias para que o espectador compreenda para além do que a imagem é capaz de mostrar. Funciona como um dispositivo, precisa ser acionado constantemente na intenção que a coisa faça um sentido imediato e dê lugar à próxima sequência. Nesse jogo de reatividades, “Luz Natural” é exibido com graves fragilidades e méritos supérfluos, que podem ser descritos em sua imensa maioria pela capacidade de criar alguns quadros visualmente impactantes e um drama que atinge o espectador pelas ações em si, nunca por algo que se apresenta na tela além da moral particular. Dénes Nagy ter levado o prêmio de melhor diretor em Berlim não é uma aberração, mas diz mais sobre o festival que qualquer coisa. Existem grandes imagens aqui, como a da corrida na chuva, cruzando a tela e acompanhada no pan, à lá Jancsó, mas sem grandes brilhantismos. Não dá pra se sustentar só de beleza plástica.