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Love Express: O Desaparecimento de Walerian Borowczyk

Entre o erótico e a liberdade

Por Ciro Araujo

Love Express: O Desaparecimento de Walerian Borowczyk

O trabalho em documentários é comparável ao de um ourives. Requer atenção e cuidado meticuloso para a produção de uma comunicação ininterrupta com quem assiste. Em “Love Express: O Desaparecimento de Walerian Borowczyk”, o esforço é denotado na construção de uma linha do tempo para reemergir o cineasta polonês Walerian Borowczyka de suas origens eróticas. O ritmo é dado por entrevistas, reações e imagens desenterradas que ilustram a linguagem cadenciada produzida durante o filme, uma sintonia à nível de trailers pensados como introdução justamente à temática de investigação produzida aqui. Apesar do cabimento ideal para o longa-metragem de Kuba Mikurda, a antítese surge na originalidade – volta-se ao paralelo do ourives – que não se faz presente no momento da confecção da obra.

Estruturalmente, a montagem procura enfatizar muito mais reações de realizadores, promovendo então imagens de admiradores, teóricos ou profissionais relacionados a Walerian e procurando, por fim, a espontaneidade solta ali. As escolhas, à dedo, são recompensadoras e no ponto mais certeiro. O mestre da comédia “montypythiana”, Terry Gilliam, solta bravejos a respeito das primeiras animações de Borowczyka. Não é à toa, já que grande parte do trabalho do diretor de “Brazil” é claramente inspirado nas amarras anti-totalitaristas do polonês que escapara do regime comunista na época. Neste primeiro ato de pontuar a cronologia, é exposto de maneira paralela os indícios da primeira característica nas obras do cinegrafista, a liberdade.

Enquanto começa a atravessar a vida do objeto-alvo, o documentarista Kuba Mikurda inaugura entrevistas com cada vez mais faces variadas. O fundo branco e as reações introduzem o cansaço e a duração desgasta através do que parece falta de interesse denotada no cineasta e na história. Ora talvez seja sua própria forma, ora talvez seja o tempo utilizado para montar explicações longas a respeito. O tédio no momento de filmagem da película é tanta, que o cineasta acaba, em certo momento, ao entrevistar Slavoj Žižek, percebendo tiques nervosos naturais do autor e realiza cortes e zooms que contribuem para o ritmo saxofônico de “Love Express: O Desaparecimento de Walerian Borowczyk”. É nesse momento que ele percebe a sua mina de ouro e aproveita para criar uma novidade na linguagem estética da obra, ricocheteando inclusive para outros entrevistados no decurso do tempo. Ironicamente, talvez a escolha mais pervertida do filme esteja em conversar com Žižek, especialmente no momento de maior lucidez quando se questiona o eros e o pornô e a visão masculinizada durante a guerra fria a respeito da libertação sexual. É um momento de mais questionamentos, a revitalizar o modo expositivo proposto, quase como se no período de seleção de trechos e falas houvesse um período, mesmo que mínimo, de ousadias, reflexões, que seja, e noutros, de decisões comportadas, de pouca ambição.

Através de todo o fomento introduzido na linguagem, eis que existe o período de preguiça. Os entrevistados foram escolhidos, o formato também, um branco séptico ao fundo de uma grande maioria dos selecionados. Em sua pouco mais de uma hora, “Love Express: O Desaparecimento de Walerian Borowczyk” no que resta são pensamentos a respeito da vida de um diretor de filmes “live-action”, isto é, utilizando imagens reais, ou em animações. Borowczyka em sua carreira sempre emanou a mensagem de liberdade como máxima – que por sinal, é uma constante nas carreiras de autores do leste europeu na época, como Miloš Forman ou o checo Jiří Trnk – e talvez o que mais repense ao longo de suas filmagens ou dizeres é exatamente montar de acordo com o que seu indivíduo desejasse. O ato de realizar uma obra cinematográfica requer o uso de trabalhadores que estarão em constante combate e negociações, muito por ser uma criação coletivista. Walerian era exatamente o que a teoria de auteur enaltece, um desejo individualístico de realizar sua própria vontade de exprimir o que desejava. Se expositivamente este documentário que o investiga por hora entende seu ser, seus desejos, as distorções de época da imagem erótica como pura pornografa, por outra hora não o desenterra de uma maneira que o evoque corretamente durante o período do filme. O uso básico de cenas de seus filmes parece simplesmente como um bônus de DVD para apresentar o cineasta polonês; existe uma incoerência em seu “ser-filme”, isto é, em sua própria estética em ser algo idealizado para investigar um homem e sua época de novas-ondas, uma Paris em chamas pós-68 e um mundo polarizado por totalitarismo.

2 Nota do Crítico 5 1

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