Leynilögga
Testosterona, bala e romance
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Locarno 2021
Além de pegar um pênalti do Messi em plena Copa do Mundo (e faz questão de divulgar a imagem no próprio festival de Locarno), Hannes Þór Halldórsson é cineasta e lança seu novo projeto “Leynilögga”, uma ação onde o “bromance” é desenvolvido em um tom distinto, mais genuíno e assumindo os clichês para fazer uma comédia que não deve nada a ninguém.
Tudo na obra é estereotipado e levado às últimas consequências como paródia do gênero, o “superpolicial” midiático beberrão, violento, sem muito vigor para questões familiares é obrigado a dividir uma investigação com outro “superpolicial”, milionário, galã, que cuida de sua saúde e coloca a vida de seu irmão mais novo em primeiro lugar. Mas esse choque profissional dá lugar a um romance que surge no primeiro toque de mão durante um tiroteio insano. Em “Leynilögga” há o choque de dois universos distintos, o clichê clássico do policial e da “metrossexualidade” (termo pouco feliz) contemporânea, o modelo das revistas de saúde. A maneira com que o romance encontra lugar nas trocas de tiro ensandecidas, gera um efeito curioso, já que se aproxima dessa “masculinidade” tacanha da indústria Hollywoodiana mas toma o caminho inverso em sua forma de representação.
Não por acaso tudo aqui é programático, o vilão só se veste de preto e fala como se tivesse que seguir o protocolo de como “um cara mal é”. Se o filme funciona como retrato genérico de “Duro de Matar” (que tem referência explícita em uma das falas), as próprias piadas aparecem fora de contexto e sempre procurando os piores momentos para se revelar alguma coisa, afinal, estamos diante de um produto televisivo de cunho duvidoso, com dois personagens que fazem parte do imaginário de suas delegacias, mandando bala nos “caras do mal”. É claro que os dispositivos consagrados da indústria, do fetiche pela violência ao corporativismo caótico dessas instituições, estão presentes como um sintoma “inevitável”, até mesmo a corrupção e a redenção tem lugar aqui, porém é nessa articulação do clichê que a “desconstrução” consegue dinamizar a experiência.
Até mesmo na montagem de vinhetas, entre umas doses de álcool, troca de olhares e banheirão. É difícil não rir com a resistência do protagonista, ao avisar “vou no banheiro” e o parceiro responde “eu te acompanho”, as olhadas, disfarçadas ou não, seguem a cartilha dos filmes clássicos. Não por acaso o “bromance” funciona tão bem, porque é a fórmula que acompanhamos a vida inteira, a diferença é que “Leynilögga” assume isso. Em algumas sequências a trilha sonora atira ao público as músicas que elevam a testosterona e assume a sexualidade dessa coreografia. O público escuta e já pensa: Agora vai. Essa empolgação é fruto de uma construção narrativa que ao costurar os estereótipos, possui a consciência de transgredir no clímax de suas cenas, o que não gera uma quebra de expectativa, pelo contrário, beija o companheiro e diz “Eu te amo”, câmera lenta e tiro comendo solto. É uma das melhores coisas de ação dos últimos anos, por assumir o caráter tosco do gênero, sem provocar nenhuma gravidade em seu drama e ainda provocar dizendo “Cara, é século 21, ninguém liga para isso”. Uma esnobada vigorosa nos homofóbicos.
Um longa de fetiches assumidos que relaciona meia indústria Hollywoodiana e convida todos a se assumirem. O “Duro de Matar” com “Bad Boys”, “Máquina Mortífera” e todos os parceiros de armas, com mais cor e resolução feliz em uma cobrança de pênalti, explosão e o famoso “último segundo”. É o deleite do “bromance” e seu verdadeiro significado. Para consagrar, os dois mantêm uma relação estável e cedem entrevista para emissoras de televisão com a breve interrupção de tiros de fuzil da criança que criam juntos. Pegando pênalti em Copa do Mundo e realizando “Leynilögga”, Hannes Þór Halldórsson coloca seu nome em dois universos diferentes com a mesma intensidade, um feito e tanto que anima a competição da Concorso Internazionale em Locarno.