La Chimera
Um épico que busca o impossível
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2023
O cinema italiano sempre pautou suas obras entre a realidade e a fantasia. Entre o sonhar e a percepção de se presente ao mundo. Formava-se a ideia dessa metafísica orgânica de realismo fantástico, que influenciou a nova geração deste novíssimo cinema que vivemos agora. Alice Rohrwacher é uma dessas realizadoras, pelo costume de evocar a nostalgia etérea de Federico Fellini com a hipster estética pop moderna. É como os filmes dessa diretora soassem como exercícios improvisados de linguagem, em que tudo acontece no próprio processo de criação. Há um descolamento da própria ficção com a sensação propositalmente mais amadora de ainda se comportar como um ensaio. Em “La Chimera”, exibido na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2023, Alice investe mais na narrativa de estranheza coloquial. Sim, há nostalgia na fotografia captada e sim há câmeras mais moderninhas, como a aceleração das cenas. E lógico, há os italianos, que aqui são mais “entrões” na vida dos outros.
Sim, tudo em “La Chimera” parece um sonho acordado com um que de humor bem intenso à moda de Charlie Chaplin. A narrativa busca transpor um tom mais desalinhado, mais vazio, mais surreal, entre cenários de paredes rachadas, que tentam a metáfora de um ambiente decadente. Cada vez adentramos mais nessa metafísica de presenças personificadas e nessa liberdade poética de ficção científica de se viajar e voltar. De tornar atemporal o próprio tempo, que confunde entre morte e vida, entre tosse e sotaque. E inclusive uma das personagens, uma brasileira (a atriz Carol Duarte) que fala português (e que na maioria das vezes, salva o filme que não se sabe mais como salvar). Pois é, este é aquele típico filme que não está satisfeito em ser apenas uma coisa, quer tudo, quer incorporar todas as narrativas e gêneros. Alguém precisa dar limite a toda essa explosão de possibilidades.
“La Chimera” é uma viagem existencial a la Fellini, inclusive com uma música tema de um de seus filmes quando apresenta aqui o teatro carnavalesco e a desconstrução do gênero: homem vestido de mulher. Mas neste há o mais, especialmente quando olham para câmera e quebram a quarta parede. É tanta coisa ao mesmo tempo e em todo lugar acontecendo nesse cotidiano que a própria narrativa do filme se perde. E do nada, para e espera. Com silêncios ainda mais fora do tom. E de novo, tudo recomeça com força total, entre filmes, bebê aparecido, Colômbia, cabeça para baixo e música eletrônica a la Gaspar Noé. “La Chimera” parece ser uma jornada de psicodelia psicológica, que inclui comportamentos infantis bem à moda da quinta série; danças sozinhas na pista, meio burlesque. É como se todos ali estivessem presos em um universo paralelo a procura de portais.
Nunca entendi a força e o endeusamento a Alice Rohrwacher, que chega a ser considerada o “futuro do cinema”. Toda essa sua característica de realização mais caseira e de soltura mambembe me incomoda muito. “La Chimera” parte do princípio de que “cada um tem a sua Quimera, algo que tenta alcançar mas nunca consegue encontrar”, que o dicionário define como uma “combinação heterogênea ou incongruente de elementos diversos”. Quimera é também um substantivo feminino (metáfora) que indica uma utopia. De andar e andar e nunca encontrar o que se procura, visto que no caminho desejos e vontades são ressignificados em novos quereres. Sim, nós realmente entendemos em qual ponto Alice quer chegar. Mas todo esse épico circense de devaneios e imaginações soa excessivo demais. E sim, a história traz ainda o bando de tombaroli, ladrões de bens funerários antigos e maravilhas arqueológicas que vê Quimera como riqueza. Para nossa personagem principal, Arthur, Quimera se parece com a mulher que ele perdeu, Beniamina. Para encontrá-la, Arthur desafia o invisível.
“La Chimera” é uma aventura em busca o amor eterno, por portas para a vida após a morte de que falam os mitos. Então, a mensagem dessa fábula realista, que se desenvolve entre vivos e mortos, florestas e cidades, celebrações e solidões, é que tudo já está escrito. Que a única coisa que devemos fazer é seguir e viver destinos entrelaçados. Sim, isso tudo é muito poético quando explicado, mas em “La Chimera” o que encontramos é a superfície desse mundo underground trazido à tona de uma ideia que ficou na quimera da diretora de se realizar.