Jovens Polacas
Escravidão Branca
Por Jorge Cruz
“Jovens Polacas” possui grandes qualidades e essa fotografia imageticamente potente que compõe seu pôster, trailer e todos os meios de divulgação de filme. Sua temática, resgatando histórias de lenocínios do início do século XX possui o frescor da pertinência em um mundo onde o pouco avanço da autonomia feminina se encontra em risco. Suas decisões de linguagem tem o condão de esconder as dificuldades de uma produção modesta, mas de extrema qualidade. Contudo, peca o longa-metragem ao não criar uma unidade fílmica tal, o que gera um enfado que ultrapassa a reflexão natural de seu viés contemplativo.
O diretor Alex Levy-Heller se destacou na carreira a partir de documentários. Produziu “Dzi Croquettes“, um dos destaques do Festival do Rio 2009, marco inicial do Vertentes no Cinema. Tanto nessa mostra quanto na de São Paulo, ganhou o prêmio do público em sua categoria (repetindo o feito no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro dois anos depois). Quando se arriscou na nobre cadeira da direção, Alex deu voz às vítimas do Holocausto Nazista com o impressionante “O Relógio do Meu Avô” (2013), além da história curiosa da candidatura de um macaco nas eleições de 1988 com “Macaco Tião: O Candidato do Povo” (2017). Sua primeira ficção foi lançada em 2018, uma atualização do poema “Christabel“, de Samuel Taylor Coleridge.
Em “Jovens Polacas” podemos identificar tanto a eficiência na abordagem próxima do documental quanto o lirismo de representações mais próximas da sensorialidade. Porém, elas quase sempre se mostram desunidas. A sequência inicial da obra é, de fato, um primor. Um plano-sequência meticuloso que nos mostra o quão próximos conviviam proxenetas, suas esposas e as mulheres vítimas da escravidão sexual. A ausência de corte potencializa a ideia, além de tratar de uma das principais questões, qual seja, a inteligência vilipendiada pela falta de estudo daquelas imigrantes, que acreditavam fugir de condições precárias de vida no Leste Europeu e encontravam mais sofrimento no Brasil. O Rio de Janeiro surge em diálogos que nos remetem à rua Uruguaiana e ao bairro da Glória, em uma época já muito retratada no audiovisual brasileiro, conhecida como Rio Antigo.
A partir daí, a câmera nos leva a outra dimensão temporal, onde Mira (Jacqueline Laurence) conversa com Ricardo (Emilio Orciollo Netto), um jornalista que parecia se portar como um terapeuta. Descobrimos que ele é doutorando em imigração judaica e pesquisa a vida das chamadas “polacas”, mulheres de diversos países que passaram por aquela situação. Mira tenta resgatar as lembranças difíceis de uma infância dentro de um lupanar (como chamavam os bordéis da época). A fala empostada de boa parte do elenco aproxima “Jovens Polacas” do teatral, semelhante a outra obra também da Pipa Produções, chamada “Intruso” – a qual analisamos o propósito em nossa crítica. A desunião de propostas do filme tem início quando as memórias da personagem se materializam. Ela dará voz àquelas mulheres com certo didatismo. Nesse ponto, o longa-metragem parece mais próximo da construção feita por Svetlana Aleksiévitch em “A Guerra não tem Rosto de Mulher” do que sua própria adaptação para os cinemas, “Uma Mulher Alta“, que escolhe um caminho mais direto a seguir.
A câmera parece indecisa, partindo para um voyeurismo interessante (tática que funciona bem em “Que Horas ela Volta?“) e por vezes se inserindo na ação sem escolher uma perspectiva. Quando algum relato daquelas mulheres se estende, Alex Levy-Heller emula Terrence Malick e suas imagens embaçadas próximas de corpos humanos, para em seguida assumir seu tom documental. Uma das tramas se desenvolve em um monólogo-desabafo, com quebra da quarta parede, enquanto outro é extremamente visual, sobre a Lily das Joias. São esses os momentos mais inspirados de “Jovens Polacas”, quando há o uso de cores quentes, em quartos de pinturas descascadas e muitos elementos amadeirados. A produção de belas imagens é uma capacidade do cineasta que tende a se desenvolver (e já há dois projetos, um mais perto do gênero fantástico, que soam promissores pela flagrante qualidade de seu trabalho).
O magnetismo da atuação de Berta Loran, como Sarita, não é tão aproveitado quanto deveria, ao passo em que uma personagem jovem é inserida com o único objetivo de verbalizar os sofrimentos femininos da atualidade. Não há tal necessidade, visto que toda a construção, permeando os relatos com a contemplação, naturalmente induz os espectadores a refletirem sobre seus lugares no mundo. Trata-se de mais uma incongruência que quase põe a perder a visualidade excepcional do longa-metragem. “Jovens Polacas” exagera no excesso de linguagens aplicadas, criando várias desconexões – quando tinha grande chance de gerar o efeito contrário, ou seja, o total envolvimento.