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Ilha dos Cachorros

Mais uma ilha particular de Wes Anderson

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2018

Ilha dos Cachorros

“Ilha dos Cachorros”, filme de abertura do Festival de Berlim 2018, que também concorre ao Urso de Ouro, é acima de tudo uma fábula político-social sobre a intolerância dos povos. Os “diferentes”, que não se encaixam na categoria de seres humanos, são cães à margem enviados a uma ilha campo de concentração. É uma alusão metafórica ao nazismo nos modernos tempos do Japão. A narrativa em gênero de animação segue a estrutura estética inspirada na cinematografia de Akira Kurosawa. Mas vai além quando cria um sarcástico, espirituoso e realista mundo pós-apocalíptico, governado por um ditador facista (um “Darth Vader” estilizado ao asiático) e pessoalmente a favor dos gatos (com tatuagem no corpo e tudo). O filme é um estudo de caso desta segregação racial. Nós percebemos que os excluídos, que sofrem de raiva, depressão, narcolepsia, entre outras questões médicas, representam exatamente a mesma história de quando Portugal enviou o seu “lixo” ao Brasil.

Em um primeiro momento, a lógica do Estado é a de se livrar do problema. Outra referência que temos é do livro “Ensaio Sobre a Lucidez”, de José Saramago, e a saga de “O Planeta dos Macacos”. Wes Anderson nos insere em seu melhor: na bizarra estranheza da forma cômica como define e adjetiva seus personagens, respeitando suas particularidades, idiossincrasias, causas, porquês e defesas da sobrevivência diária e de sofrimento recorrente e massificado. Se no filme de Akira, os japoneses formavam o cenário ilhado, aqui, os cachorros são as vítimas, potencializando a essência ideológica do discurso politizado. A história baseada nos mostra que ainda há vários japoneses vivendo misteriosamente em inúmeras ilhas japonesas. O roteiro pulula sacadas cômicas, e é desenvolvido como um livro, anos no futuro.

Neste universo “dog exile”, os animais buscam sobreviver a qualquer custo e a conseguir a liderança para estarem salvos. Mordem porque mordem. Inevitável não referenciamos a “Toy Story 3”, a “Hora da Aventura”, do Cartoon Network, e ao filme “Okja”, de Joon-Ho Bong. Só que aqui, pauta-se na organicidade visceral, na verborragia de diálogos (muitos em japonês – e que não se traduzem para aumentar nossa incompatibilidade de comunicação com a língua. É a estranheza geográfica, que limita, que descortina e que paralisa.

“Ilha dos Cachorros” é uma experiência visual com suas sombras, suas lutas de sumô, o teatro Kabukia com sua música típica de tambores da dança de obon-ondo, com seus flashbacks com avisos de início, meio e fim, seus cientistas e suas máquinas maravilhosas (“kampai”), seus antídotos “bebidas”, seus governantes com documentos “top secret” e sua “violência ditatorial” de investidas enérgicas. O filme acorda a veia revolucionária de cada um. Lutar até o último fio possível. É conversar na escuridão, arquitetar planos, revidar. A música indie-folk melancólica (que une os grupos Faces com Love com The Velvet Underground, e a mistura lembra em muito Belle and Sebastian com Randy Newman) conduz a jornada road-movie e ambienta conversas cotidianas, lembranças do que estes personagens eram e motivos do comportamento do agora.

“Ilha dos Cachorros”, segunda animação em stop-motion de Wes Anderson, continua sendo a cara do diretor, bem mais político que “O Fantástico Mr. Fox”, convenhamos, como a crítica de entender o mundo por assistir televisão demais. Mas sua narrativa é acelerada. Suas reviravoltas rápidas demais. A redenção dos maléficos fácil demais. Lágrimas são usadas como gatilhos comuns. Só que nada disso atrapalha, apenas não faz o filme ficar perfeito demais. Cada um busca sua pequena revolução (até mesmo se esconder de tudo e de todos para viver “embaixo” e totalmente fora do convívio social), quase como ideias radicais de “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino, e como verdades terapêuticas, rumores e fofocas que colocam pessoas no devido lugar e até transformam “chefes” em “fluffy”.

Entre chocolate frio para “provar a teoria conspiratória – já que ninguém mais se importa”, crianças na rebelião, as partes “O pequeno piloto japonês”, “A procura de Spots”, “Rendez-vous” e “Ataris Lanterna”, uma cirurgia realista, a busca pela restauração da paz, militares dentes caninos, truques de sedução, tudo faz com que “Ilha dos Cachorros” seja incrível e altamente recomendado. Sim, é um típico exemplar “wes-andersiano”, com todo seu humor que deprime, que resigna, mas que também fornece uma natural-realista-existencialista experiência de que o mundo ainda tem futuro, é só arregaçar as mangas e lutar.

“Mas o mundo começou a mudar e fazia sentido na história. Acho que talvez tenhamos incluindo pequenas coisas da realidade, embora não seja a realidade do Japão”, finaliza Wes Anderson na coletiva de imprensa, roteiro que escreveu junto com Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura. O diretor já apresentou três filmes no festival: “Os Excêntricos Tenenbaums” (em 2002), “A Vida Marinha com Steve Zissou” (em 2005) e “O Grande Hotel Budapeste” (em 2014, que abriu a edição 64 e ganhou o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri. “Estou muito satisfeito de Wes Anderson lançar novamente o filme na Berlinale. “Ilha dos Cachorros” será o primeiro filme de animação a abrir o Festival – um filme que irá capturar os corações do público com o encanto de Wes Anderson “, disse o diretor do festival, Dieter Kosslick.

4 Nota do Crítico 5 1

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