Mostra Um Curta Por Dia 2025

Império da Luz

A possessão de Olivia Colman

Por Fabricio Duque

Durante o Festival do Rio 2022

Império da Luz

Escolhido para ser o filme de abertura do Festival do Rio 2022, “Império da Luz” tenta ser uma ode à cinefilia e à tradição nostálgica de se ir ao cinema, especialmente neste período em que o público se movimenta para retornar às salas. Após ter sido exibido nos festivais de Londres e de Toronto, o mais recente longa-metragem do realizador Sam Mendes (de “Beleza Americana”, “1917”), que agora visa conquistar a emoção dos brasileiros, quer isso: um retorno à inocência, muito pelo estímulo da metalinguagem cinematográfica, em que busca acessar a memória afetiva de quem assiste. Esse artifício, que mescla o lado sentimental mais genuíno dos amantes da sétima arte com linguagem derivativa propriamente dita, produz a retroalimentação da percepção, fazendo com que os espectadores mergulhem em um loop de sensações, a maior parte conduzida ao passado (período este que a neurociência explica de confortável refúgio ao novo). 

Dessa forma, nesse processo, o cineasta britânico rompe a própria lógica do tempo (único e indecifrável – quase um vórtex do vazio não acessível) ao soar como uma atmosfera de um constante torpor. Talvez pela narrativa de elipses rotineiras baseadas nos micro detalhes, e especialmente personificada pelo toque metódico da protagonista Hilary, pela atriz Olivia Colman (que vamos ser sinceros: é “golpe baixo” sua escalação, porque sua entrega ao papel transcende a própria arte da interpretação. A britânica consegue acessar camadas, aprofundar o drama e mudar reações de uma forma tão naturalista, que nós pensamos com nossos botões: “Que crueldade com as outras atrizes”. Olivia, uma atriz que já nasceu atriz, torna-se sua personagem, com transtorno esquizofrenia e uma bipolaridade emocional (“medicada”, “entorpecida”, “adestrada” e sem emoções básicas por causa do Lítio), entre os limites de uma ressaca alienante que só existe no exato momento que a vida acontece e do “intenso” surto catártico. Será loucura do ataque ou a sanidade da defesa?

Para isso tudo acontecer, “Império da Luz” opta por uma tradução mais óbvia. Vamos entender! A narrativa cria para si uma fortaleza de autoproteção, talvez pela elipse mais blasé de um ingênuo romantismo perdido, talvez pela saída do didatismo autoexplicativo, talvez pelo clichê de temporizar em flash os instantes felizes e/ou talvez pelas citações de poesias e/ou até mesmo pelo artifício da autoajuda, pontuada em frases de efeito (“O ano morre na virada”) e com músicas de existencialismo mais nostálgico. E/ou pela importação da estrutura teatral tão mais cômoda ao diretor. E/ou talvez mesmo pelo impulso, quase imaturo, de querer inserir questões sociais demais em curta duração. E/ou para completar a aula técnica do projecionista sobre o amor sistemático ao cinema: “Quadros estáticos com escuridão entre eles; é uma ilusão de movimento; é a ilusão da vida; pequeno feixe de luz é uma fuga; é o oxigênio”.

Sim, são muitos talvez sugeridos. O longa-metragem, de intimidade estética, parece se definir entre instantes que jogam praticamente toda a responsabilidade do sucesso nas costas de Olivia Colman (sim, apenas por isso – a de sua interpretação irretocável – o filme já vale o ingresso). Nada faz perder sua “possessão”, tampouco a obviedade do roteiro. Outro tópico observado é que explicitamente é uma obra visada para o Oscar. Eu sei, eu sei, “Por que não podemos simplesmente gostar das coisas?”, já disse uma personagem no seriado “Mad Men”. Se formos perguntados nesta linha o que “Império da Luz” nos casou, podemos concluir que é um filme de atriz, mas que falta algo. Talvez esse seja mesmo o objetivo da obra: a de criar um paralelo sensorial com a realidade, sendo influenciada pelo torpor da personagem. 

O preâmbulo de “Império da Luz” é um balé visual. Um registro rotineiro dos bastidores do cinema, que aqui figura como o mais sagrado dos espaços. Em seu letreiro, quando lemos “The Blues Brothers” (1980), “All That Jazz” (1979), “Touro Indomável” (1980) e a pré-estreia gala de “Carruagens de Fogo” (1981), somos imersos nos anos oitenta (e toda a efervescência cultural – que aqui se mitiga e mantém um conservadorismo racista, xenófobo, misógino e preconceituoso). Olivia (de “A Favorita”, “A Filha Perdida”, “The Crown”), que vive a fantasia ilusória de seu trabalho, “adequa-se” ao mundo, “aceitando” a solidão e o sexo “migalha”. Neste ponto, os espectadores são abduzidos a viver seu universo: depressivo e sem perspectiva. Um novo funcionário fornece um sopro de vida, abrindo assim um “portal” de um cinema fechado (que muito provavelmente quer metaforizar com nosso momento atual). Mais uma vez recebemos uma epifania. Será que o diretor quis deixar a percepção da ilusão de uma verdade ficcionalizada? E gerar apenas a ideia da sanidade à moda de Bob Dylan? 

“Império da Luz”, como disse, quer abarcar toda a ilusão e toda a realidade. De “Corra!” ao tempo desconcertado, almejando a inocência de “Muito Além do Jardim”, filme este uma iniciação à perda de uma “virgindade” do olhar. Contudo, ainda que esta obra queira mesmo representar a “volta aos cinemas” pela representação intimista do cinema “Empire” (Dreamland, no original, que capta a aura de mundo dos sonhos cinéfilo) em Margate, cidade litorânea na costa norte de Kent, no sudeste da Inglaterra, “Império da Luz” define-se como o novo filme de Olivia Colman, mesmo que Micheal Ward, Colin Firth, Toby Jones, Tanya Moodie e Crystal Clarke tentem se destacar (ou mesmo “roubar a cena”). 

3 Nota do Crítico 5 1

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