Reprise Mostra Campos do Jordao

Ficaremos Bem

As mudanças de perspectivas

Por Vitor Velloso

Ficaremos Bem

Com um ponto dramático bastante convencional, “Ficaremos Bem” consegue desenvolver uma narrativa parcialmente curiosa em meio aos consensos. O longa de Maria Sødahl parte do prognóstico de um tumor terminal que vai dar fim a vida de Anja (Andrea Bræin Hovig) que procura saber, junto com o marido Tomas (Stellan Skarsgård), como contar para seus filhos a notícia. O que diferencia o filme dos demais produtos industriais que trabalham em torno de superações e amadurecimentos diante do fim, é que o projeto não está focado nessa aproximação da morte e do que fizemos ou deixamos de fazer, trata-se da história do casal em meio à situação.

É, verdadeiramente, um romance de (provável) partida. Essa perspectiva cria uma base interessante para entendermos como essa dinâmica acontece. Não se trata da obviedade de um final feliz, ou mesmo das descobertas do passado e redescobertas do presente, mas sim de um novo olhar diante da realidade, onde as distintas visões sobre o relacionamento são colocadas em conflito. Esse amadurecimento extremamente veloz e brutal, que ocorre em uma situação limítrofe, aparece como um ponto sem escapatória ou volta, mais que a própria fatalidade. Nesse sentido, Sødahl procura um atrito entre os planos e seus tempos, com a câmera agitada em contraponto à encenação cadenciada. A dialética basilar de “Ficaremos Bem” até pode ser categorizada como maniqueísta, mas consegue concretizar o sentimento da angústia entre os personagens, que querem se entender melhor antes de um possível fim. Alguns diálogos se tornam bastante expositivos para firmar isso, com algumas situações programáticas que reforçam um certo caráter didático para o espectador nesse caminho. As cenas dos últimos vinte e cinco minutos finais, são mais diretas e procuram arrancar as lágrimas dos desavisados, com algum potencial de sucesso.

Não por acaso é onde as coisas perdem um pouco de força também, não por uma fragilidade dramática, mas por alinhar-se à certas facilidades do gênero, apelando para alguns clichês festivos que soam menos sóbrios que o restante da obra. Parece guiado por uma conclusão mais catártica, que realmente quer embalar e intensificar os sentimentos inevitáveis de quem assiste. Só que nesse jogo a coisa pende pro ar industrial, tornando-se meio galhofa em certa medida, até existe beleza nas danças e comemorações que precedem a tensão, como quem não se entristece perante o desafio mas comemora a vida. Aliás, se for para dar flores, dê em vida, como disse Cavaquinho. Porém, o buraco aqui é mais embaixo, vai além de uma certa articulação moral que prende a dinâmica nas superações do casal, descamba para uma repetição programática e industrial. Logo, aquela sobriedade sincera que acompanhava a maior parte da projeção é abandonada.

Se por um lado “Ficaremos Bem” lembra um certo racionalismo que não se permite deixar levar pela facilidade, quando chega no momento crucial, cede a ela. Seja por medo da resolução ou por resultados financeiros, o trecho final se torna uma montanha russa de sensações, que vão da beleza imediata de determinados planos à caracterização quase norte-americana das festas de fim de ano com todos os dentes expostos e felicidades esbanjadas. O que até é um recurso bastante inusitado, já que foge de uma pompa catalítica que vai abraçar os dogmas para criar um chororô desinibido pela morte, mas no fim, faz a mesma coisa, apenas inverte sua razão.

As duas atuações centrais são os maiores destaques de “Ficaremos Bem” e é parte do marketing, Stellan e Andrea conseguem criar dois pólos de funcionamento que alternam entre si as ondas de sentimento que não se deixam levar pelo fatalismo barato. Os dois se complementam na própria encenação, onde Stellan, Tomas, parece um ogro imenso atravessando cômodos e Andrea, Anja, interioriza a dor de pensar no futuro de seus filhos. E essa percepção de ambos nos espaços fica ainda mais evidente com a aproximação dos quadros no grande apartamento que vivem, enclausurando a realidade dos dois, que por vezes apenas compartilham o silêncio, mas em momentos raros.

3 Nota do Crítico 5 1

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