Fale Comigo
Uma estrutura já conhecida
Por Vitor Velloso
A produtora e distribuidora A24 conseguiu um grande destaque no mercado internacional após uma série de sucessos de produção e distribuição. Contudo, tornou-se uma empresa particularmente previsível, criando uma espécie de estética programada da própria A24, chegando ao ponto de virar quase um adjetivo: “Esse filme é bem A24”, “Esse filme é a cara da A24” etc. “Fale Comigo”, Michael Philippou e Danny Philippou, produção australiana independente da empresa Causeway Films, é um desses projetos que se enquadram perfeitamente nesse padrão. Inclusive, vale mencionar que se o terror contemporâneo passou a ser compreendido por uma geração através de algumas características particulares (já presentes no terror de outras épocas), como analogia com problemas pessoais de seus personagens, isso começou com “Babadook” (2014), também da Causeway Films.
Existe um padrão em diversas obras que a A24 trabalha: tramas interessantes, desenvolvimento dramático com graves inconstâncias e um último terço problemático e comprometedor.“Fale Comigo” é um exemplo bruto disso, onde o plot inicial é capaz de fisgar o espectador, mas seu progresso passa a revelar uma série de fragilidades do filme. Em um primeiro momento, após a apresentação dos dramas da protagonista Mia, interpretada por Sophie Wilde, o longa consegue criar um grau de expectativa para o objeto macabro que permite falar com os mortos, através de uma possessão momentânea. Quando a esperada cena chega, o público pode sentir que esse processo de lenta preparação para o ritual funciona como em etapas bem marcadas: tensão, festividade e fatalidade. É um recurso quase didático para demonstrar a irresponsabilidade dos jovens diante de um poder que desconhecem e mesmo assim divulgam pelas redes sociais uma série de imagens dessas possessões, tratando como uma diversão. Neste sentido, a obra se esforça para criar aproximações com as inúmeras febres de “brincadeiras” que vimos ao longo dos anos, quase todas contabilizando alguma tragédia.
O problema é que após esse momento de contato, suas sucessões e a brutalidade de uma cena específica, “Fale Comigo” tem dificuldade em se manter interessante, justamente porque inicia um processo programático de desenvolvimento dramático, flertando com aquelas ideias apresentadas anteriormente por “Babadook” (2014), que é uma superexposição das analogias de questões internas de seus protagonistas, para criar algum tipo de conectividade com as cenas mais tensas. Por conta disso, por mais que uma sequência ou outra tenha grande efetividade na demonstração de perigo e perturbação que o longa procura representar, a estrutura geral vai perdendo qualquer grau de originalidade e dando espaço às resoluções mais simples, desde a redenção à cura de um trauma. E se esses clichês não bastassem para interromper uma imersão mais aguda na experiência, tudo isso é absolutamente previsível desde os primeiros minutos de exposição das questões de Mia e não é capaz de surpreender nem em seu desenvolvimento.
Para além da repercussão e bilheteria, o grande mérito de “Fale Comigo” é conseguir que essas sequências efetivas possam sustentar alguns minutos de uma obra que luta constantemente para não despencar. Se a primeira cena da interação com os mortos permite um impacto positivo, ao percebermos o que exatamente os jovens estão vendo durante o ritual, o mesmo não pode-se dizer para a modorrenta explicação de como o objeto foi criado, dos impactos disso na vida dos jovens etc. E todo esse pacote, faz o filme tornar-se cada vez mais desinteressante, mais expositivo e recorrendo aos dispositivos mais simplórios para seguir uma cartilha Causeway e A24. Vale mencionar que apesar das semelhanças com “Babadook”, o filme de 2014 trazia algum frescor para o contexto do terror na época, enquanto quase dez anos depois, essa estrutura já está maltratada com o tempo.
Para além da Blumhouse, com suas franquias, sequências e prequelas, a Causeway parece ter entrado neste mesmo jogo e já anunciou um segundo filme e uma prequela. É um caminho desgastante que o mercado cinematográfico vem apresentando nos últimos anos. Vale ficar de olho se os próximos projetos serão como “Fale Comigo” que poderia ser facilmente um curta-metragem e conseguiria ser menos previsível.