Eros
Dispositivo e performance
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024
Um dos projetos que mais gerou curiosidade no público da Mostra de Tiradentes deste ano, “Eros”, de Rachel Daisy Ellis, por se tratar de um longa que já anuncia seu dispositivo na sinopse e levantar uma série de perguntas dos espectadores, especialmente quanto ao tipo de conteúdo que poderíamos ver na tela do Cine-Tenda.
Não é possível saber quais imagens não entraram no corte final da produção, mas é interessante notar que Rachel possui uma recusa ao sexo extremamente explícito. Essa decisão evita que seu filme esteja vinculado diretamente à qualquer imagem de pornografia, isso porque além das imagens que temos acesso, existem algumas outras possibilidades que vemos na tela, por exemplo, em uma cena de sexo a três, é possível ver que o rapaz está segurando um celular e apontando para uma possibilidade de algo ainda mais explícito. Contudo, sem sabermos se aquela imagem foi enviada para Rachel ou não, podemos intuir que a diretora tinha em mãos um material ainda mais gráfico, e sua opção de excluir do corte final, nos mostra que sua preocupação estava diretamente ligada às interações no motel, não necessariamente com qualquer tipo de voyeurismo.
Essa decisão, consciente de sua linguagem e estrutura, nos leva a debater um dos problemas de “Eros”, uma sensação frequente de direcionamento nas ações dos personagens. Por mais que em muitos momentos podemos enxergar a espontaneidade das ações e diálogos, em outras sequências, o espectador parece estar diante de algo roteirizado, performado e muitas vezes deslocado da construção do longa. Por exemplo, a cena em que vemos uma travesti depondo diante da câmera e falando sobre deixar o Brasil, foi uma das mais impactantes do projeto, mas uma das que mais gerou debate pós-sessão, já que muitas pessoas tiveram a sensação de que se tratava de algo roteirizado. De toda forma, estruturado ou não, o resultado é uma sequência que arrancou o sorriso constante das pessoas na sala de exibição, transformando o que até então estava divertido, entre diálogos sobre as palavras de Jesus e possíveis pecados cometidos no Motel, em um silêncio profundo de reflexão.
E talvez esse seja um dos maiores méritos de “Eros”, conseguir a partir de uma particularidade de um quarto, com cenas e diálogos íntimos, abrir a possibilidade de discutirmos a sociedade brasileira. Não apenas no estigma do Motel, algo muito presente ao longo da projeção, mas também na reflexão de preconceitos, liberdades individuais, amor livre e fetiches. É quase que a exposição das entranhas de uma sociedade que recusa a exposição por algum tipo de trava social, seja ela auto imposta ou externa. Por essa razão, os primeiros minutos do filme funcionam tão bem, por serem capazes de provocar uma discussão, na medida que entretém o público com aquele cotidiano particular no Motel, onde o espectador enxerga as particularidades de cada pessoa projetada na tela, alguns casais que não se incomodam com o sexo explícito, algumas pessoas que preferem ter as partes íntimas censuradas etc. Porém, esse dispositivo torna-se cansativo com o passar do tempo, encontrando um ponto de saturação que realmente torna a experiência cíclica, sem um ponto de objetivo se esclarecendo com a progressão. Além disso, mesmo com 110 minutos, o documentário vai se alongando para além do necessário, repetindo seu padrão incessantemente e perdendo aquele ímpeto que o fazia funcionar na primeira metade. Por essa razão, a eficácia de qualquer discussão proposta na tela fica à deriva para vermos cada vez mais uma proposição situacional, performática de particularidades daquelas pessoas.
“Eros” possui algumas características realmente interessantes, mas seu caráter ritualístico: chegada ao motel, sexo, comida, faz com que o dispositivo se desgaste e a montagem, assinada por Matheus Farias, perca o ritmo de sua representação, criando uma espécie de recurso monótono de um mesmo dispositivo repetido diversas vezes. Assim, o que inicia muito promissor, perde muita força com o tempo, tornando o documentário em algo cansativo.