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Encanto

A mágica das possibilidades

Por Vitor Velloso

Encanto

A Disney possui a fórmula do sucesso de bilheteria, todos sabem, mas com o passar dos anos a empresa vem se aprimorando em transformar o entretenimento da animação em representações que fogem da centralidade norte-americana, ou não. “Encanto”, de Byron Howard e Jared Bush, é mais uma obra que investe na desarticulação cultural do país que serve de palco para suas aventuras. Uma demonstração sintética disso é a forma como os projetos apresentam a localidade de suas histórias. Por exemplo, “Soul” (2020) faz questão de contextualizar sua proposta em torno da cidade de Nova Iorque, já “Us Again” (2021), se inspira em Chicago, Nova Iorque e Los Angeles para construir um universo urbano rico e vibrante. Contrastando a especificidade dessas abordagens, os demais filmes da Disney/Pixar que trabalham em torno de regiões distintas, apresentam apenas o país das aventuras.

“Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis” (2021), vai à China e utiliza Macau como todos os projetos ocidentais, retratando o mar de prédios e cores com o exotismo habitual. “Viva – A Vida É uma Festa” (2017) se passa no México, em uma cidade fictícia e “Encanto” possui a mera exposição de uma palavra ao fundo da cantoria: Colômbia. Está certo que o mercado está mirando novos públicos ao redor do mundo, procurando a representatividade de outros povos, uma geração contemporânea que tente se identificar no universo de cores vibrantes. Tal atitude até funciona parcialmente no novo filme, já que algumas das canções apresentadas procuram dialogar com ritmos locais e parte da mitologia apresentada utiliza símbolos já conhecidos, seja com a vela ou mesmo o estereótipo do galã latino retirado das novelas.

O problema é que tudo é fragilizado pela estrutura formulaica e os clichês consolidados ao longo dos anos. No fim, estamos diante do mesmo projeto de sempre: músicas chicletes, cores, família e esperança, como uma força uníssona perpetuada pela idealização da relação entre a fantasia e o fetichismo das áreas não urbanas que dominam a representação do exterior. Antes de mais nada, os produtos possuem um público-alvo bem definido, sendo capaz de funcionar de maneira imediata, aliás, que criança não iria se encantar com um universo de magias, previsões, amores e imagens instigantes, visualmente vibrantes? Porém, “Encanto” não foge da inocuidade pragmática desses dispositivos e passa a se perder na obviedade de seu encaminhamento. Não por acaso o grande encantamento (com perdão do trocadilho) provocado na primeira metade, na introdução dos personagens e na dinâmica dessas relações, dá lugar ao arrastado processo de transformar-se cada vez mais em um produto facilmente reconhecível.

A Disney muda sonhos e motivações, mas mantém seus filmes em um eixo que deixou de ser assinatura, tornando-se zona de conforto. E ainda que haja algum mérito na animação, com a beleza das paisagens e da movimentação dos personagens, a sensação é que “Moana” (2016) deixou fortes marcas para a empresa. Aliás, a música “Under Pressure”, do novo longa, lembra em diversos aspectos “You’re Welcome” cantado por Dwayne Johnson, assim como a performance visual de “We don’t talk about Bruno” possui a fluidez de outras sequências de projetos anteriores, ainda que com alguma personalidade ao fazer a perspectiva girar com a dança.

“Encanto” mantém as rédeas das últimas produções e acaba tornando-se mais do mesmo. Segue a cartilha de uma profecia, onde o destino imutável possui a ambiguidade das decisões, de uma maturidade que nunca chegou nos últimos anos. A grande exceção nesse percurso é “Toy Story 4” (2019), que compreendeu o avanço da idade de seus fãs, ao mesmo tempo que soube vender a ideia para uma nova geração. Com o aumento das iniciativas de representatividade, a Disney encontra um mercado repleto de questões para serem abordadas, trabalhando com culturas de maneira unilateral e com a dimensionalidade que sua animação pode explorar visualmente.

Não se trata de realismo mágico, apenas a sedução contínua de uma fórmula que vai se desgastando.

3 Nota do Crítico 5 1

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