Eli
Fiquem onde estão!
Por Vitor Velloso
Netflix
“Eli” foi lançado pela Netflix no final de 2019, naquele momento a corrida para assistir a outros projetos se intensificava, além da ansiedade coletiva por “O Irlandês” e “Dois papas”, logo, o filme passou despercebido pela grande maioria. Que bom.
Dirigido por Ciarán Foy, o longa de terror busca assumir sua necessidade de recorrência histérica dentro do gênero. Trabalha com todos os arquétipos e clichês possíveis na busca de uma neutralidade diante de sua abordagem, assim, formando um olhar mais hegemônico e menos conflituoso com sua proposta. Toda vez que busca conciliar sua trama com os dramas dos personagens, tudo começa a ficar muito turvo. Na intenção de tensionar um mistério entre as relações interpessoais e com determinados ícones do medo, o diretor transforma tudo em uma verdade paródia fabulesca de si mesmo, sendo incapaz de reconhecer que os elementos “macabros” que seleciona de maneira absolutamente aleatória para provocar uma reação imediata em seus objetos, não passam da risada nervosa do espectador.
O esforço por um esteticismo que concilie a formalização daqueles espaços, junto a temática religiosa que está “implícita” durante toda a obra, afunda tudo em um marasmo tedioso que tenta alguns jumpscares datados, umas maquiagens de dar tristeza e umas criaturas que parecem ter saído das epopeias escolares de quarentena cerebral de Danilo Gentili.
Ao tocar no assunto do isolamento, ao qual Eli (Charlie Shotwell, que já constrói uma cinematografia digna de sono) se encontra, o texto se inclina, obviamente, ao assunto da contemporaneidade, o Covid-19, do qual o protagonista jamais iria temer, já que o oxigênio é seu inimigo e uma roupa especial é utilizada a todo instante. Aparentemente a incapacidade do roteiro de oxigenar o pulsante, não o esquerdo, é refletida na figura de seu personagem, ainda que o problema aparentemente não seja apenas de Eli.
Enquanto o filme se preocupa em trabalhar com a profanação de determinados símbolos católicos, para que haja certa provocação simbólica com os totens arcaicos, esquece completamente de concretizar sua atmosfera dentro dessa temática ou pura e simplesmente o terror em si. Não à toa, quando a reviravolta é apresentada, além da obviedade da mesma, tudo se torna cafona e brega à primeira vista. A burocratização de toda a proposição formulaica se estrutura em um joguinho malvadinho de como se relaciona o Espírito Santo, o Pai e o Filho, em ode à uma necessidade de correlação com a cultura americana, que copiou do cinema uma enfática imagem que não possui nenhuma grandeza profana, pelo contrário.
“Eli” é um exercício canhestro da funcionalidade da dicotomia Deus e Diabo, tão explorada na sétima arte, a diferença está nos neurônios dispostos a articularem algo que funcione entre a linha tênue que o gênero sempre atuou. A tentativa de manter o projeto na rentabilidade máxima, reflete toda a conceituação da Netflix ante a produção cinematográfica que vêm realizando. Que o catálogo é problemático, é uma discussão antiga e válida, mas “Eli” realmente se esforça em expulsar o espectador da experiência.
Se o produto assumisse seu tom adolescente desde o início, poderia ao menos funcionar a partir da falsidade ou da falta de plasticidade de sua misancene, como Mike Flanagan trabalha em determinados pontos de sua obra. A questão é que ficar em cima do muro transforma qualquer criação em mero reflexo de ego que desconhece os lados daquilo mesmo que se constrói. É a velha reconciliação que Hollywood tanto busca, mas Ciarán Foy é incapaz de conceber um agrado para qualquer grupo social bipolarizado que venha a assistir ao longa.
As almas penadas que buscam arrastar o menino para fora da casa nos lembra a proposta nefasta da necropolítica que nos incentiva a abrir a porta da casa e expôr a pele ao mundo. A diferença é que as almas queriam evitar determinada situação com Eli, já em nossa realidade, o bolso é a preocupação central, não as vidas que estão sendo excluídas da equação assassina e irresponsável de uma figura diabólica e de seu lacaio demoníaco PG. Em poucas palavras este texto entrará em 666 palavras escritas, uma marca simbólica que ignora o novo projeto da Netflix e se preocupa diretamente com a sanidade deste que voz escreve.
Se a escrita tá desconexa e parece atirar em cantos escuros, não se preocupe, é um reflexo de ambas as coisas expostas no último parágrafo.