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Roda Gigante

A Roda Extraordinária de Woody Allen

Por Fabricio Duque

Durante o Festival do Rio 2017


Parece repetição textual e ou padrão iniciante de todo texto, mas sim não há filmes desinteressantes na carreira do mestre-cineasta nova-iorquino Woody Allen. Suas histórias , à moda temática de um teatro filmado que mais parece uma união de Nelson Rodrigues com Tennessee Williams, abordam com simplicidade as complexas emoções-comportamentais dos seres humanos que convivem em sociedade e trocam idiossincrasias, cumplicidades e desvios de conduta moral.

Em seu mais recente longa-metragem, “Roda Gigante”, suas características marcantes são corroboradas em um controle absoluto de uma competente direção despretensiosa. As ações (e suas reações desenroladas) são possíveis e humanizadas, espontaneamente encenadas em uma narrativa que dosa cirurgicamente o humor cru-ácido-sarcástico com o drama ilusório-naturalista, e que se apropria da fotografia plástica de Vittorio Storaro (de “Café Society”), que interage e interfere na época, tempo e decisões individuais.

A experiência de fascínio é perpetuada e indescritível. E muito mais porque esta foi a segunda sessão mundial assistida, no Festival do Rio 2017, na mesma noite, no cinema Odeon da Cinelândia, poucas horas depois da exibição no Festival de New York. Sim, há algo em Woody Allen que não conseguimos explicar. Tenta-se mas realmente não se sabe mensurar tamanha maestria.

“Roda Gigante”, produzido pela Amazon, é um filme fluido, que se conduz com precisão temporal em envolver o público na trama apresentada. As particularidades estéticas-autorais de Woody Allen estão presentes: a trilha-sonora de jazz raiz Standard New Orleans de ser; a mesma fonte textual nos créditos de abertura; a narração romanceada (metalinguagem contada para a câmera – que é o espectador), que dirige e dá a ordem, explicada em adjetivos e detalhamento de micro-ações, que precede o acontecimento póstumo (“Entra Carolina”); o “gostar do melodrama”; e a força de personagens “marcantes”. Contudo, há elementos adicionais que absorvem os básicos, os desconstroem, criando uma nova forma de se contar a história, como a fotografia nostálgica de fantasia realista de luz nos cabelos.

O longa-metragem retorna a Nova York, ambientando-se em em Coney Island na década de 1950. Mickey (o agora mais ator que cantor Justin Timberlake), um salva-vidas, nos conta uma história que pode muito bem estar sendo filtrada por sua imaginação fértil: Humpty (o ator Jim Belush), um homem de meia-idade, operador de um carrossel do parque de diversões da praia, e Ginny (a atriz Kate Winslet – o alter-ego deste filme), sua esposa infeliz que passa seus dias a esmo pelo calçadão da praia, são visitados pela filha dele (a atriz Juno Temple), Carolina, que há muito estava afastada. Desta situação, desenrola-se uma série de complicações extremamente humanas.

Uma das maestrias de “Roda Gigante” é sem dúvida seu roteiro que se pauta nos diálogos verborrágicos para poder acontecer e desenrolar a história em uma “terra de fantasia brega, barulhenta”, decadente. orgânica de corpos suados. Não há silêncio. Não respiramos. É propositalmente agitado. O início descola-se do padrão comédia quando aprofunda a angústia depressiva e no limite das personagens, como em “Blue Jasmine”, um de seus filmes anteriores com Cate Blanchett (que era o alter-ego de Woody). É denso, tenso e sem nenhum riso. É um submundo exposto, de uma mulher que vive no “lixo”. Mas é quando o reflexo de neon que muda a cor, a história se auto-desconstrói, criando outra fantasia, a realidade. Ou pode ser o passado antes do agora.

Há o filho cinéfilo que falta a escola para assistir filmes (“Vai ferir os olhos de tanto cinema”, diz-se) e que não gosta de “fogueiras pequenas”. Amansa-se. O humor ganha espaço e o deboche direto de Woody Allen está de volta em “orações condicionais”, em “tempestades de raios”, muitas conversas e músicas mais livres e de momentos. Há verdade nas respostas, há o cirúrgico ritmo cadenciado e há referências a pinturas que inferem o que vemos. A fotografia é o elemento de transição. De tempo. De digressão. Na lembrança é mais radiante. E o presente, apagado.

“Roda Gigante” é sobre a “fraqueza trágica”. É sobre ser romântico demais. É sobre ingênuos e inocentes joguinhos de sedução. É sobre a entrega na transa. E o “sexy aprisionado”. É sobre libertar a o querer e a “pulseira da vida”. Expelir e confrontar a hipocrisia de se manter uma reputação. É sobre alguém começar a ser protagonista. É sobre livros e novas histórias. Sobre sonhos, projeções, fracassos e amarguras que vencem a loucura com brigas e discussões de relacionamentos. Tudo se conta como confissão, dissecando o desejo mais fundo da alma. É uma terapia para se sentir melhor. Para sossegar por alguns minutos. O drama é alimentado para alimentar a vida. O ciúme, a complicação, as reviravoltas, a luz apagada e a “não-gratidão”. É a metáfora do salva-vidas.

Entre mentiras inventadas, papel “insignificante”, encontros, acasos, traições, flertes, expectativas, esperanças auto-enganadas, busca por “emoções baratas”, cachorros-quentes baratos, hiperatividade ofensiva, a tipicidade das músicas judaicas, tudo nos conduz com humanidade e suavidade. “Não é só uma chuva de verão”, diz-se. Eles compactuam da co-dependência, “frequentando a escola da vida” e desejando uma nova vida ao outro sem poder, engessados nas dificuldades do não sair do lugar, enquanto assistem “Winchester ’73”, de Anthony Mann.

“Roda Gigante” quebra o conceito de moralidade. Não há maniqueísmo e sim formas-possibilidades de sobrevivência por “atrações instantâneas”. Cada um vive como pode, igual a Hamlet e Édipo. Um “anda pelo mundo”. Outro, “pela vida”. Ginny descontrola-se. Perde rumo e potencializa a infelicidade, o nervosismo, a agressividade e a loucura. No final, é tudo uma grande metalinguagem literária, como a mulher “mais velha que se enquadra na narrativa de escritor”. Fala-se mais hesitante, declamada e evasiva versus mais passional, urgente e imediatista.

“Sonhos terão que esperar”, diz-se. Ações aumentam o tom, ficando desesperadas, sem remorso, tanto no limite que não se importam com a sinceridade sem freios. Ela não gosta de pescar. Gosta de criar um drama após o outro. Está louca, obcecada, apaixonada. E por que não voar para o Rio de Janeiro? Pode-se dizer tudo sobre “Roda Gigante”, mas nada que insinua que não é mais uma aula de cinema e de emoções humanas do Tio Woody Allen. Vá sem medo andar nesta Roda Gigante, que em uma tradução literal do inglês, “Wonder Wheel”, quer dizer “Roda Extraordinária”. Lançado nos Estados Unidos em 01 de dezembro de 2017, dia em que Woody Allen completou 82 anos de idade.


4 Nota do Crítico 5 1

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