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Tinta Bruta

Cores Existenciais

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2018

Tinta Bruta

Exibido no Festival de Berlim 2018“Tinta Bruta”, dos parceiros diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon (de “Beira-Mar”), é um filme sobre uma latente e crônica solidão que assola todos aqueles que vivem exclusivamente nas redes sociais, principalmente os jovens que escondem suas tímidas vergonhas de existirem no mundo real. É sobre a exposição para que o desaparecimento e a depressão não atinjam níveis tão radicais quanto na história de “Yonlu”, de Hique Montanari. É um retrato, um estudo de caso de uma geração perdida em uma necessidade surreal de informações. De ter que estar conectado à moda do episódio de “Black Mirror”.

A rede também é uma forma de profissão. De ganhar dinheiro por curtidas. De ser autoral e narcisista. De compartilhar intimidades e subjetividades a outros ávidos por algo que também não sabem querer. É o desejo no estágio mais bruto, mais primitivo, mais organicamente projetado. Nosso personagem também não está sozinho. Ele precisa surpreender e fornecer diferenciais nesta área tão competitiva de arrebanhar seguidores. A tinta neon que brilha no escuro é uma forma de arte, mas também uma metáfora a uma fútil artificialidade das próprias individualidades.

“Tinta Bruta” é também sobre a solidão dos jovens em tempos modernos. Da contradição de se ter tantas opções sociais, mas é a timidez que impede seus relacionamentos e conduz suas experiências . A internet possibilita estreitar tédios, facilidades e comentários ultra sinceros (alguns mórbidos, cruéis, hostis e ofensivos). Cada vez seus usuários potencializam mais e mais suas defesas, suas individualidades, suas sensibilidades e incompatibilidades. Estão perdidos e meio a uma enxurrada de informações e experimentações existenciais. “Rindo de mim?”, pergunta com raiva.

É sobre o excesso de narcisismo, de “ninguém se importar”, de se buscar o amor idealizado. É sobre a dificuldade de manter as esperanças em um universo imaturo, competitivo (quanto mais fama, mais dinheiro e mais acessos na rede) e altamente destrutivo, tanto, que mais jovens cometem suicídio por depressão, não conseguindo lidar com seus períodos ociosos. Suas personagens aqui convivem com histórias, tipos e perigos. Só que para todo e qualquer jovem o sentimento de indestrutibilidade é levado às últimas consequências.

“Tinta Bruta” é sobre a ilusão da fama. Que afasta o convívio. Como na música “Cara Estranho”, do grupo Los Hermanos (“olha só que cara estranho que chegou; Parece não achar lugar; No corpo em que Deus lhe encarnou (…) Olha ali, quem tá pedindo aprovação; Não sabe nem pra onde ir; Se alguém não aponta a direção; Periga nunca se encontrar; Será que ele vai perceber?; Que foge sempre do lugar; Deixando o ódio se esconder”).

Já a outra música deles, “O Vencedor”, já indica um novo caminho. Uma solução mais simples. Um ensinamento que descomplica o existir (“Olha lá, quem acha que perder; É ser menor na vida; Olha lá, quem sempre quer vitória; E perde a glória de chorar; Eu que já não quero mais ser um vencedor; Levo a vida devagar pra não faltar amor”). Sim, logicamente, não podemos negar o tempo de cada um em descobrir que a vida é um mero instrumento de se viver.

O filme, com sua atmosfera realista-espontânea com o elemento encenação-ficcional inerente à produção da obra cinematográfica, é sobre a artificialidade de um nova luz brilhosa por tintas neon “não tóxicas”. “Se não sair quando ficar velho, não terá nada para lembrar”, diz-se “mais feliz ou mais triste?”, elevando de forma passional e catártica as “desilusões”. “Desgraça pouca é bobagem”, resume-se. E como em outra música dos músicos cariocas, “O Velho e o Moço”, todos aqui vão levando com o “acaso amigo do coração”, que desestrutura, mas também protege de uma certa maneira.


“Tinta Bruta” chega agora na mostra competitiva do Festival do Rio 2018, vencendo na categoria principal de Melhor Filme, de Melhor Ator, melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro.


Extra

3 Nota do Crítico 5 1

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