Mostra LC Barreto de Curtas 2024

Crítica: Safári

Esse filme não merece uma crítica

Por Vitor Velloso


O ato de filmar é político. Independente do que se filma. Apontar a câmera ao mundo e decidir registrar determinada coisa, e não outra, é um ato moral. E mudar seu assunto, uma decisão ética. Não é possível se manter isento, em nenhuma de suas instâncias. Buscar a imparcialidade no cinema, é impensável. Alguns podem dizer, que isso é para gerar uma discussão, sem entregar a perspectiva do diretor. Ora, foi ele quem realizou o filme. É de uma hipocrisia tamanha acreditar neste argumento.

“Safári”, é um documentário dirigido por Ulrich Seidl, que mostra alemães caçando animais na África. Apenas. O diretor opta por essa imparcialidade, entende que deve se manter como um observador nulo e isento. O documentário mostra por 90 min, animais sendo mortos e esfolados. Não há assunto, discurso, nem posicionamento, apenas isso. Essa violência gratuita, aos bichos, que é registrada diante da câmera, se estende para o racismo externado pelos personagens do filme, que nitidamente, são parcialmente construídos por Ulrich.

Confesso, que ao sair da sessão havia prometido que não faria uma crítica. Que me recusava. E esse sentimento ainda existe, eu desejaria não ter de fazer uma construção de pensamento sobre esta obra. Pois, Safari é uma das maiores ofensas que eu já vi. Tá certo que o diretor tem a fama de ser polêmico, mostrar determinados “tabus” da sociedade, mas grande parte do que ele retrata como Tabu, eu chamo de crime. E isso envolve diversas coisas: nazismo, zoofilia e assassinato de animais por motivo algum. Uma porção de pessoas que estão lendo esta crítica, podem vir a dizer que esta isenção é a força do filme. Eu acredito que ela seja a catalisadora do ódio que o longa provoca. E, é claro, que essa é a intenção dele.

Uma breve análise da carreira dele, vê-se uma preocupação em retratar a condição do ser humano. Ou melhor, de ser um ser humano. Mas isso não justifica nenhum ato que de alguma forma corrobora para uma degradação do ser vivo. Seja ele, uma girafa ou um homem. E isso, me perdoa, é absolutamente criminoso. Com algum tempo após a projeção (digo isso porque não é fácil digeri-lo), é possível se compreender a real intenção do diretor, mas ainda assim, seus atos são profundamente vergonhosos. A lente infame que exalta uma formalidade imperativa, com planos extremamente longos, de animais sendo esfolados por africanos, sendo observados por brancos europeus, possui um dos tons mais vulgares do cinema do século XXI. Repito, revendo o repertório do cineasta, essa hiper vulgaridade faz parte de sua estética e quando trata-se de uma ficção onde se tem controle do que está acontecendo, justo. Porém, neste campo do documentário, não.

Pessoas levantaram da sessão e saíram, se remexiam na cadeira e tomaram susto com os tiros. Existe autoria no filme? Ah sim, não tenha dúvida. É uma câmera agressiva, incisiva e precisa, jamais se perde, sabe exatamente o que filma, perfeitamente calibrada para registrar aquela emoção específica. E este é exatamente o problema, como um autor é capaz de filmar tudo isso, montando parte dos acontecimentos, e se dizer isento?

A imagem cinematográfica é antiética. Ulrich busca o extremo. Ele consegue. Os sentimentos que o filme provoca são, sem dúvida, intensos. Meu repúdio por ele são, em grande parte, pessoais.

Para mim, escrever sobre algo que amo imensamente é muito difícil. E agora descobri como é a experiência de fazê-lo com algo que odeio. É igualmente complicado. Pois a minha admiração pelo diretor por ter gerado essa reação em mim não deve ser ignorada. Eu gostaria de expôr todos os meus sentimentos da forma mais caótica possível, mas para a sanidade mental da nação, me manterei nas rédeas.

De qualquer forma, o olhar imperialista e opressor sobre os africanos, é imperdoável. Quando um personagem do filme diz: “Os negros daqui são bonzinhos, eles nunca tentaram passar a perna na gente não.” ou “Os negros são superiores fisicamente. Quando eles querem correr mais rápido, eles conseguem”, entendo ser parte de uma ficcionalização proposta pelo documentário, objeto já recorrente na carreira dele. Porém, se essa construção é feita como provocação para o público, o mesmo não se pode dizer sobre: Pôr africanos na frente da câmera comendo a carne dos animais, direto do crânio, como bicho, de forma super voraz, sendo dirigidos, explicitamente, pelo diretor. Isso possui posicionamento. E ele é bem claro.

1 Nota do Crítico 5 1

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