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O Estranho Caso de Ezequiel

Uma profecia que oferece a paz eterna a um amigo

Por Fabricio Duque

Semana dos Realizadores 2016

O Estranho Caso de Ezequiel

É impossível não ser incondicionalmente passional-afetivo ao traçarmos linhas analíticas sobre o novo filme “O Estranho Caso de Ezequiel”, que integra a mostra competitiva da VIII Semana dos Realizadores 2016, do diretor Guto Parente, que cada vez está mais inclinado em representar o cinema de gênero pelo viés fantástico-suspense-conceitual. Esta ficção-científica desperta nossa sensação a um existencialismo catártico pelas ações que buscam a simplicidade da paz. É um filme de auto-proteção contra hostilidade, mesquinhez e da preocupação fofoqueira das vidas dos outros “próximos”.

“O Estranho Caso de Ezequiel” é uma rasgação boa no peito. Um socorro atendido. Uma poesia profética. Um presente de amor eternizado de um amigo a outro. Uma filosofia conceito. Um gênero que transcende o gênero e cria um novo. Uma possibilidade de corroborar o próprio status de alienígena deles e de nós, que somos incluídos na família “não ortodoxa, não convencional” escolhida. Um filme que não sai da alma e que chacoalha intermitentemente nossas elucubrações pululadas. A sinopse nos conta que após a morte súbita de sua mulher, Ezequiel (“Um homem mortal”) vive triste e resignado em solidão. Até o dia em que um extra-terrestre surge em sua vida e muda por completo a cor do seu destino. O ator Euzébio Zloccowick, artista plástico, que se entregou visceralmente ao protagonista, faleceu antes de ter assistido ao filme.

E é por isso que esta experiência-fábula-epifania, de atmosfera ectoplasma, etérea, cósmica e psicodélica é uma profecia. A realidade “assalta” a ficção e assim somos conduzidos pela estética concretista da psicologia personificada e da transfiguração simbólica da visão conservadora da Bíblia, que infere “Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, do tailandês Apichatpong Weerasethakul, traduzindo -se meio Manoel de Oliveira, meio “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, meio José Saramago. Aqui, a narrativa espera, observa, destaca o bucolismo moderno do som do vento e contempla o tempo das micro-ações repetitivas (de seguir adiante quase igual ao dia anterior) de uma vida comum cotidiana: as plantas regadas, a conversa com outro artista “conservador” que pinta estátuas religiosas, e a masturbação ao luar.

Os detalhes-mistérios são inseridos: o objeto não identificado no céu, o sêmen que some, a assombração de uma mulher, os sonhos. Em “O Estranho Caso de Ezequiel”, a lembrança é plenamente feliz, e a realidade, solitária. Ambienta-se à moda de um filme clássico de terror, com suas características sustos (e ruídos exacerbados) que funcionam mais como conceito que para necessariamente causar medo. O extra-terrestre, que se transmuta convulsivamente em humano, assim como o diretor, fornece um presente de boas-vindas (um descanso das obrigações caseiras e um voltar a sentir) pela diferença alienígena compreendida: uma possibilidade de deturpar a fenda tempo/espaço para revisitar sua felicidade (a projeção esquizofrênica do querer absoluto – a “fé que move montanhas” – sofrida pela loucura da saudade), mesmo que de forma “zumbi fantasmagórico”), só que agora pela eternidade. O tom cômico, de sarcasmo mais circense, cunhado pelo próprio Guto, busca suavizar (e acalmar pela “erva”) a mensagem da filosofia terapêutica abordada, mas no fundo todo esse riso é um desconfortável estágio de impedir nosso próprio auto-questionamento.

“O Estranho Caso de Ezequiel” excede a primazia já determinante quando faz com a a “amada morta” feche os olhos e responda o que vê do “lado de lá”, pontuando subjetivamente a visão do pós-morte. O espectador é presenteado com esta experiência metafísica, surrealista e estranha, que nos faz sair da zona de conforto visual com o qual estamos “acostumados” pelo aceleração das influências comerciais. Não satisfeito, o filme salta para 289 anos depois em um Planeta distante, entre meteoros, cores “aura RBG” (psicotrópico), tela que se expande à moda de “Mommy”, de Xavier Dolan, placa da moto EZK 25 15 17, e música transcendental de Shlohmo e o álbum “Dark Red” (que pode ser definido pela união inferência de The XX com Cosmic Project), esta última que nos conduz com força alucinógena e catarse libertária (à moda do final do filme “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick). É o conceito espírita-budista da sequência da vida em outro plano astral que plasma espelha a Terra em que vivemos no momento.

Concluindo, um filme que já nasce perfeito, único, obrigatório, que cria um gênero ímpar e particular por abraçar a “experiência-viagem fantástica de reconectar a perda de um luto” e de “lidar com a morte de forma mais frontal e concreta” por uma “família não ortodoxa, peculiar e que incomoda a sociedade” (apenas por não impor nada, por ser livre e por existir naturalmente), finaliza o realizador Guto Parente em uma entrevista exclusiva a nosso site. Altamente recomendado.

5 Nota do Crítico 5 1

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