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Estamos Juntos

Ações, cotidianos e metáforas

Por Fabricio Duque

Estamos Juntos

O indivíduo encontra dificuldade em suas relações inter-pessoais. Precisa-se conviver com as manias e quereres alheios. Cada ser humano possui singularidades, características próprias que o define. A pessoa necessita ser o que é, entender o seu estágio atual, relacionar-se com outros, os compreendendo e aceitando essas idiossincrasias, que ao passar do tempo ficam mais intensas e enraizadas. Há a necessidade de despertar a confiança em si a fim de suportar o mundo lá fora. Cada um segue por um caminho e escolhe uma forma de proteção. Alguns protejam-se para fora, sendo otimistas e felizes com as reviravoltas que a vida inventa. Outros participam mais e mais do próprio universo interno. Essa opção proteção é infinita, englobando inúmeras possibilidades. “Estamos juntos” aborda a obrigação de se estar com alguém, mesmo que as diferenças próximas sejam tão perturbadoras e mesmo escolhendo a imaginação como realidade. É inerente a esse ser humano o julgamento sobre pessoas e coisas.

Talvez com isso seja mais cômodo e tranquilo aguentar a pressão diária. O estado de perda é sentido e vivenciado plenamente, como um vazio que nunca é preenchido. Pensa-se nas hipóteses de rechear o espaço oco com livros, informações, bebidas alcoólicas, drogas sintéticas, sexo, trabalho. Mas o sentimento de que falta algo ainda permanece com mais força.O longa-metragem de Toni Venturi (de “Rita Cadillac – A Lady do Povo” e “Cabra Cega”) insere o espectador neste mundo depressivo da alma humana. Quem assiste ao filme mergulha, de forma sinérgica, em um mundo perdido, letárgico de novidades e irritado pela rotina. É a metáfora de uma existência, que transfere as dores internas em doenças físicas.

Mas o novo comportamento de Carmem conflita drasticamente com a vida que levava, o que pode resultar em destruição.A superficialidade sentimental do inicio, com câmeras aéreas, músicas melodramáticas de efeito – com violino e orquestra – pode afastar a imersão à trama, mas aos poucos o espectador se dá conta que é uma forma de suavizar o tema complexo e pesado que será apresentado. “Você acredita que o medo deixa as pessoas egoístas?”, inicia-se com a pergunta que permeará toda a história, servindo como uma sinopse do contexto. O material bruto do filme é o próprio ser humano, que é humanizado em suas características intrínsecas. Ações cotidianas como cortar unhas são registradas em detalhes. O homem misterioso (quase o seu guia espiritual) que convive com Carmem é parte do jogo de sua proteção. Ele a salva dela mesma. Em uma cena, a personagem principal pede a esse amigo que faça um massagem “geral por dentro”, nós percebemos que nos dias de hoje o físico está mais importante.

O seu cabelo mal cortado gera críticas de outras pessoas a sua volta. Quando ela se machuca, o outro metafórico é a causa. É incrível como o outro (o próximo) possui tanta influência para nós. Vivemos o outro a todo instante. Sentimos o outro em nossas escolhas. O filosofo Jean Paul Sartre já dizia que “o inferno são os outros”. Carmem é uma futura cirurgiã, bonita e culta. Ela vive entre seu trabalho e as saídas com seu amigo gay e DJ, vivido por Cauã Reymond (que por curiosidade fez laboratório para seu personagem em clubes gays, como a The Week, localizado no Rio de Janeiro, conversou com diversos DJs). “Ele é antigo. É hetero”, diz-se. A fotografia – granulada, saturada, escurecida e cosmopolita de São Paulo, privilegiando focos iluminados incidentais, complementa a atmosfera transmitida. Outra metáfora é apresentada quando Carmem vai a uma balada (boate).

Ela encontra um homem, um argentino, um estrangeiro, que tentará adentrar em sua vida. “Ser mulher ou gay em Penedo, não sei o que é pior”, ela diz. Em certo momento, o filme torna-se institucional, como a serie de palestras sobre a prevenção de doenças sexuais numa comunidade carente e sobre a “ocupação” por um lugar físico (de moradia). Eles precisam encontrar a base, proteger-se da chuva, do frio, da chuva. Ter dignidade. Cada um busca o seu lugar. Tanto faz se for concreto ou abstrato. O roteiro trata dos dois. Os simbolismos pululam. O ovo que é cozido é um deles. “Com 23 anos, tudo tem graça, na idade deles se apaixonar ou não tem a mesma facilidade”, diz-se em ângulos próximos e detalhistas. É passional, visceral e existencial com silêncios. “Já pensou na glória do anonimato?”, divaga-se demonstrando uma vertente da loucura social e atual. É inevitável a catarse. A agressividade é quase um requisito à salvação. “Cada um sabe o peso que carrega”, diz-se. O final libertador de “Estamos Juntos” soa como um filme de auto-ajuda, porém necessário e extremamente indispensável à trama.

“Passei muito tempo chata. Resolvi fazer as pazes com tudo”, diz enquanto olha para o espelho e pergunta “Onde estão as pessoas?”. Concluindo, um filme excelente, com interpretações naturais, realistas, gerando convencimento. Confesso que saí da exibição do filme totalmente introspectivo e precisei de muitas horas a fim de retornar a minha existência atual. Se só por isso, já vale o ingresso, o que dizer dos outros elementos impactantes? Vale muito a pena assistir. Recomendo. Inicialmente o título original seria “Antes da Noite”. Este é o 3º filme em que o diretor Toni Venturi e a atriz Débora Duboc trabalham juntos. Os anteriores foram “Latitude Zero” (2001) e “Cabra Cega” (2004). “Estamos Juntos” ganhou o CINE PE 2011 nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor – Toni Venturi, Melhor Atriz – Leandra Leal, Melhor Roteiro, Melhor Fotografia, Melhor Edição e Prêmio da Crítica.

5 Nota do Crítico 5 1

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