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Dois Casamentos

A catarse social de um autor apaixonado que disseca a verdade medicamentosa

Por Fabricio Duque

Semana Cavídeo 2016 e Semana dos Realizadores

Dois Casamentos

“Dois Casamentos”, o mais recente filme do cineasta “maldito” Luiz Rosemberg Filho, com sua peculiar estrutura cinematográfica de utilizar colagens, técnica esta a fim de “dar voz” as suas críticas, apresenta-se como sua obra mais linear. O longa-metragem, também roteirizado pelo diretor, tem o objetivo de imergir o espectador no lirismo poético de viés coloquial pela teatralização física dos elementos. Aqui, o universo de Samuel Beckett mistura-se ao de Peter Greenaway, sem exacerbar copiadas referências, mas sim indicar um posicionamento de uma paralela confusão, proposital, para personificar dúvidas, anseios, medos, projeções, possibilidades, liberdades, amarras, decisões, resignações, catarses e humores nervosos das duas personagens em cena, as atrizes Patricia Niedermeier e Ana Abbott, que se entregam com tamanho desprendimento e visceral descontrole de interpretação incisiva, que somos confrontados nos limites tênues da realidade amadora da terapia cognitiva “presenteada” e da presença apoteótica do texto dominante.

O caos vivenciado as liberta como explosões da alma, por monólogos afobados, doloridos, pragmáticos, agressivos, vitimados, atacados, “assistindo” na outra um espelho da verdade medicamentosa contra a iminente loucura de uma vida vazia, tediosa, massificada e de alienação hipócrita, aceitável e doentia. São duas noivas, que esperam, em uma sala da igreja, seus casamentos começarem. A ansiedade típica, intrínseca e necessária não é sentida, pelo contrário, agem como fantasmas, em um horror existencial, em uma indiferença brutal. Enfrentam-se, desesperam-se, experimentam opções para que assim possam “sobreviver” ao futuro imposto por regras definidoras e não flexíveis de uma sociedade perdida. Elas resolvem “aproveitar” cada segundo de suas liberdades, entre silêncios, gritos, agressividades e choros libertários, refletindo sem pudores e controles sociais sobre suas relações e vidas.

“Dois Casamentos” objetiva também outra maestria: a parte técnica – principalmente pela fotografia de Vinicius Brum, que fornece a aura de “trazer” luz às epifanias lúdicas. São molduras atemporais, com danças intimistas e trilha sonora sensorial (convidando quem assiste a participar), e sem insinuar sexualidade ou afins. É tudo sobre o afeto, respeitando a diferença. Seria muito óbvio e cômodo rotulá-las apenas com o desejo carnal (vide o filme “Telma e Louise”). Não. Em hipótese alguma. As duas são instrumentos de salvação de cada uma delas, entorpecendo-se com a felicidade incondicional de finalmente não serem nada.

Na verdade, as noivas complementam os próprios egos e quereres, tornando-se uma, despindo-se dos “não(s)” (e da necessidade do “capital”), atingindo o Nirvana (pela câmera que se deixa levar sem cortes e sem preocupações de excessos e ou padrões cinematográficos) e representando todo um imaginário “programado” com doutrinas nunca antes questionadas. Concluindo, “Dois Casamentos” é uma pequena obra de arte, de curta duração, de equilibrada literatura visual, de um autor apaixonado por seu ofício. Recomendado. Definitivamente, a grande estreia da semana e grande lançamento da Cavideo e Livres Filmes.

5 Nota do Crítico 5 1

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