Cinema e Vigilância – Temática da 15ª Edição do CineBH
A vigilância dos novos tempos sob a ótica do cinema está no centro da programação da 15a CineBH, de 28 de Setembro e 03 de Outubro
Por Vitor Velloso
A proposta temática da 15ª Edição da CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte é particularmente interessante se colocarmos o contexto do capitalismo mundial. Não por acaso o texto de Pedro Butcher, Francis Vogner dos Reis e Marcelo Miranda, curadores da temática, ressalta o papel fundamental do capital privado na estrutura de uma constante vigilância que usurpa os dados privados de seus usuários e sua privacidade. Está claro que esse capitalismo só pode ser compreendido em sua fase imperialista a partir da lógica da superexploração do trabalho, sobretudo nos países periféricos.
E essa questão é fundamental para a construção do debate em torno de como “a relação entre a produção de imagens e a questão da vigilância se intensificou e se potencializou graças à multiplicação das câmeras de segurança e à onipresença das câmeras digitais, agora em qualquer smartphone.” Porém, não podemos deixar que o caráter dessa discussão se perca em uma ordem moral da questão, quando os curadores afirmam que “a incidência desse novo estatuto da vigilância, que atravessa a economia, os costumes e o imaginário” influencia a imaginação dos cineastas em suas produções, não colocam como ponto fundamental que a produção dessas imagens surge da ordem contra a própria ordem, não atravessa a economia, é parte absolutamente fundamental dela.
Ou seja, da indústria, no caso cinematográfico, contra a própria estrutura, o Estado ou as empresas privadas. Intimamente ligadas por uma ideologia dominante, esse suposto diagnóstico não possui nenhuma raiz crítica, pelo contrário, assume uma certa culpa do caráter repressor. Mas essa produção de imagens, em sua origem, é da grande indústria norte-americana, mesmo que com algum grau de consciência do que os cercam, os cineastas de Hollywood estão à serviço desse grande capital. E o objeto inconsciente dessa “força imaterial”, é o reforço da ideologia dominante. Temos aquilo que Ludovico Silva chama de “mais-valia ideológica”, a superexploração do trabalho em seu estágio inconsciente, o excedente da mais-valia material levada à ideologia.
Que nos casos dos países periféricos é ainda mais arrebatador, visto que a representação na tela, como diz o texto, “já não determina mais os problemas do que seria uma dicotomia entre o real e o simulacro”, é o produto de uma economia dominante, sobretudo na negociação do imaginário social, fator determinante para a consolidação de um padrão que surge do consenso. Essa coerção só pode ser entendida como parte de uma investida pela “homologação cultural”, denunciada por Pasolini ao falar do fascismo italiano (com suas particularidades), que é a destruição completa da cultura popular e das bases populares.
Feita a digressão e retornando ao que interessa diretamente ao sul global, é necessário se questionar a ausência de exemplos do cinema nacional no texto de apresentação, feita em apenas um único momento, em contraste às dezenas de citações europeias e norte-americanas. Veja bem, não trata-se de reforçar a produção brasileira, mas sim de caminhar na contramão do que o próprio texto elogia na “percepção” de “Pânico 4”, ao dizer que: “talvez um dos grandes filmes contemporâneos, por perceber uma anomalia cultural que se dá entre a vigilância e a indústria das imagens”. Ora, não difere em nada da correção feita por Ludovico à Adorno, reforçando que a “indústria cultural”, não poderia ser outra que não “indústria ideológica”. Por essa razão, a temática é de suma importância, pois denuncia essa vigilância através do que o cinema vem produzindo ao longo de sua história, mas se utiliza de exemplos da ordem hegemônica. O maior problema dessa postura é compreender que esse debate não pode se distanciar do academicismo castrador das Universidades brasileiras, que seguem se distanciando do pensamento crítico produzido na América Latina.
A questão da discussão é urgente, mas suas particularidades no caso brasileiro devem ser tomadas como ponto de partida, do contrário, vamos produzir um pensamento crítico para os países centrais.
“A utilização de dispositivos tecnológicos altamente sofisticados marca a estética e a narrativa desses filmes e de vários outros que refletem sobre seus efeitos nocivos ou excludentes, apropriando-se das próprias imagens geradas por essas tecnologias com um efeito crítico. É o caso do curta brasileiro “Nunca é Noite no Mapa“, de Ernesto de Carvalho (2016), um documentário analítico problematizando a ferramenta do Google Earth”
Esses “dispositivos tecnológicos altamente sofisticados (que) marca a estética e a narrativa desses filmes”, reflete nossa dependência tecnológica da mesma forma. O debate em torno dessas estéticas e narrativas, feito através de uma concepção dessas tecnologias, agudiza ainda mais a urgência de falarmos da vigilância no caso brasileiro, mas não parece que a transa da temática com o cinema surge com rigor para o contexto nacional.
O destaque da presente edição do CineBH é o grupo Forensic Architecture:
“Fundado em 2011 pelo arquiteto israelense Eyal Weizman, o Forensic Architecture reúne uma equipe interdisciplinar que engloba cineastas, arquitetos, urbanistas e ativistas de várias nacionalidades – entre eles, está o arquiteto brasileiro Paulo Tavares. O grupo investiga e reconstitui situações de guerra, confronto e desrespeito aos direitos humanos e ao meio ambiente levando em consideração contextos jurídicos, políticos e artísticos.
Como afirmam Anna Bentes, Fernanda Bruno e Paulo Faltay, na introdução de uma entrevista com Paulo Tavares, ‘as investigações do Forensic Architecture, operando em uma arena estético-política, invertem os propósitos de tecnologias de monitoramento e vigilância contra os próprios sistemas de controle hegemônicos que disputam os sentidos de verdade nas arenas públicas’ ”
E é justamente esses “contextos jurídicos, políticos e artísticos, que trazem a necessidade de reforçar que a vigilância nos países periféricos possuem uma série de camadas distintas. Desde o Estado e capital privado internacional, ao Estado e capital privado nacional em dependência aos primeiros. Ou seja, debater “Inimigo do Estado”, de Tony Scott (1998) ou a assimilação mercadológica para o gênero do horror com “Cam”, “Host” e “Buscando”, não cria um diagnóstico para o cenário brasileiro, apenas arranha o primeiro dos problemas.
Com sorte, poderemos ver esse debate ao longo da 15ª CineBH que acontece entre os dias 28 de Setembro e 03 de Outubro, esperançosos de uma aproximação maior com a realidade nacional. Acompanhe a cobertura diária aqui no site.