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Cemitério Maldito

O horror físico familiar

Por Vitor Velloso

Em 1989 um “clássico” do terror surgia, “Cemitério Maldito”, dirigido por Mary Lambert, entrava em cartaz e se tornava um “guilty pleasure” (aquilo que se gosta sabendo que não é bom) instantâneo de muitas pessoas, outras, por sua vez, de fato tornaram-se fãs do longa, defendendo seus méritos ao longo do tempo. Independente da questão subjetiva, um remake foi feito, agora, na intenção de reaver a produção e de revisar a proposta do gênero na narrativa de Stephen King.

O novo filme é dirigido por Dennis Widmyer e Kevin Kölsch, responsáveis pelo estranho e ,um tanto, peculiar “Starry Eyes”. A trama é a mesma, uma família que se muda para o interior dos EUA e tem contato com um cemitério, após o atropelamento do gato Church, que é capaz de trazer os mortos à vida. As diferenças narrativas de ambos estão propriamente em sua estrutura atmosférica. Em 2019, manter o estilo de gênero semelhante ao anterior, seria um equívoco comercial, já que o terror sofreu mutações ao longo dos anos, assim, a iniciativa na misancene é construir uma fisicalidade maior a tudo aquilo que acontece em cena. Em um momento onde envergaduras psicológicas tornaram-se mais comuns nas produções, os diretores decidem ir em um caminho pouco explorado no cinema contemporâneo. As flexibilizações na dramaturgia, são criadas a partir de uma linguagem comedida por parte dos realizadores, não há grandes truques formais, como James Wan, nem mesmo uma tensionalização com o interior dos personagens, feito “A Bruxa” e “Hereditário”, apenas a simplificação do terror ao corpo. A escolha parece brevemente anacrônica, se vermos como a própria concepção do objeto mudou de lá para cá, mas a abordagem permite uma leitura multifacetada das intenções da obra, exigindo dos atores um peso maior em questões pessoais, exemplo a irmã de Rachel (Amy Seimetz), falecida a anos, sempre sendo um pêndulo que lembra a finitude da vida, através da relação familiar, e a culpa que Rachel deve carregar até o fim de sua vida.

É interessante observar como a flexibilização destas questões inerentes ao terror abrem espaços para que a estranheza assole à imagem a partir da quebra de expectativa, ou da recompensa da mesma, não à toa os diretores recorrem frequentemente à Jumpscares (que torna-se um problema em algumas sequências). Parte da ideia imposta funciona em um jogo complexo que flerta com a artificialização de determinados dispositivos cênicos, como o cemitério em si, mas concretizam a realidade da história em um drama familiar que cresce gradativamente com a estabilização da falta de habilidade do ser humano em deixar as coisas como estão. A gravidade de não conseguir aceitar o inevitável, a morte. Enquanto o sobrenatural aqui não se materializa na necessidade de criar mais uma ameaça, além da óbvia, o retorno dos mortos, ele se estabelece de maneira conjunta ao retorno dos traumas. Toda a construção de Rachel e sua irmã, possui um destaque que infla o gênero quase a caricatura, mas consegue se manter sólido com a transformação da memória em revisão dos medos através da encarnação familiar, sua filha, em uma ameaça à toda estrutura que construiu, aquilo deixa de ser propriamente uma questão pessoal. Neste sentido a materialização do medo lembra bastante “Mártires” (2008) do Pascal Laugier, sem importar alguns problemas do mesmo.

Nem tudo é acerto, o excesso de jumpscares que precisam reafirmar com constância a característica do horror. Algumas necessidades enfáticas de criar uma discussão superficial de crença. A falta de coragem em assumir o elemento exterior à normalidade como parte da funcionalidade da misancene, exemplo o retorno de Ellie (Jeté Laurence) ao lar. E a compressão de Louis (Jason Clarke) no roteiro, atrasando o inevitável, sua loucura completa.

Já a releitura de Jud (John Lithgow), é bem proveitosa, ele sente o remorso de suas escolhas, já nos primeiros planos, porém, perde um pouco da ambiguidade que o antigo, Fred Gwynne, possuía.

A proposta de desfigurar à instituição familiar através de uma característica nativa, perpetuada por crianças que mantém uma verve ritualística com a morte, possui uma força bastante interessante na narrativa, além disso, a fragilidade que se impõe às bases dos “valores” norte-americanos, estão em segundo plano, mas se ajustam à trama de maneira minimamente convincente. Alguns excessos e tentativas dramáticas acabam fragilizando o projeto, que aliado a algumas encenações corriqueiras, podem afastar o público, mas ainda é um projeto que não surfa na onda contemporânea do gênero e quando busca essa conciliação, falha.

3 Nota do Crítico 5 1

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