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Caos: Os Crimes de Manson

Helter Skelter

Por João Lanari Bo

Caos: Os Crimes de Manson

Caos: Os Crimes de Manson”, finalizado em 2025, é mais um filme-compilação de Errol Morris, para muitos o realizador mais perspicaz e agudo do gênero “documentário” – sob esse manto abrigam-se um sem-número de tendências, estilos e vocações. Seu primeiro trabalho de repercussão, “Portais do Céu”, em 1978, feito com estímulo de Werner Herzog, versava sobre um cemitério de animais de estimação na Califórnia. A partir daí engrenou uma carreira peculiar, incluindo comerciais, livros, um certo grau de polêmicas e, sobretudo, um método que se propõe a questionar o estatuto de verdade da linguagem documental.

Um método, por assim dizer, pantanoso. Debater sobre o estatuto de verdade é algo que a humanidade se empenha há milênios, desde que os gregos inventaram a filosofia (pelo menos essa é a datação que vale para a parte ocidental da civilização terrestre). Em “A Tênue Linha da Morte”, de 1988, o questionamento da verdade terminou por influir na reviravolta jurídica de um caso de pena capital no Texas – era, como muitos outros, um erro judicial. Com a explosão da TV a cabo e depois com o streaming, abordagens como essa – críticas de decisões jurídicas que embasam as condenações – tornaram-se triviais. Seria exagero dizer que Morris foi o pioneiro disso tudo, são muitos os documentaristas talentosos, mas sem dúvida ele ocupa um lugar fundamental nessa história.

E “Caos: Os Crimes de Manson”, afinal, como se encaixa no perfil epistemológico de Morris? Segundo a IA, epistemologia analisa como as pessoas adquirem conhecimento a partir de princípios como a verdade, a crença e a justificativa. Fazer um documentário sobre Charles Manson nessa altura do campeonato é chover no molhado, diria a sabedoria popular. Manson é uma espécie de grau zero dos sociopatas, alguém que orquestrou uma série de crimes hediondos que chocaram pela brutalidade e insolência. Livros, filmes, inspiração de incontáveis personagens ficcionais – não é exagero afirmar que, se Manson pudesse cobrar direitos de imagem, seria certamente milionário. “Era Uma Vez em… Hollywood”, dirigido por Tarantino em 2019, é a melhor ficcionalização dessa loucura norte-americana.

Sim, loucura, que os EUA exportaram para o mundo – consumimos Manson com um produto cultural. “Helter Skelter”, a canção dos Beatles, foi o nome escolhido por Manson para sua, digamos, aventura. Uma aventura que é a epítome de uma sociedade violenta, portadora de uma estranha pulsão de morte que se espraia pelo globo (Trump é a atualização contemporânea dessa pulsão).

O filme de Morris parte de uma dúvida: foram os seguidores de Manson motivados pelo desejo de desencadear uma guerra racial apocalíptica? Essa foi a versão do promotor Vincent Bugliosi, transformada em livro best-seller pelo mesmo Bugliosi logo depois do julgamento (7 milhões vendidos). “Caos: Os Crimes de Manson”, por seu turno, propõe-se a mergulhar na tragédia de um outro ponto de vista, mais conspiratório – os assassinatos estariam ligados a um programa secreto de lavagem cerebral da CIA, mediante uso da droga alucinógena LSD.

Teorias conspiratórias são armadilhas da razão, como sabemos. É fácil embarcar nelas e perder de vista a …verdade dos fatos. As loucuras e Manson e sua “família” são temas exaustivamente tratados pela mídia, sensacionalista ou não. A CIA e seus excessos foram – e talvez continuem a ser – peça favorita dos paranoicos de plantão, sobretudo quando ocorridos nos anos de 1960. Não obstante, muitos desses excessos tinham fundamentos na realidade, posteriormente apagados. Grande parte da memória dos experimentos que estariam por trás de Manson, por exemplo, foi destruída em 1973, conforme indica Tom O’Neill, jornalista que escreveu sobre o assunto e é o principal entrevistado do filme.

E mais: a CIA efetivamente tocou um programa conhecido como MKUltra, a partir de 1953, sobre controle mental, enraizado no que poderia ser feito com drogas alucinógenas e utilizando centros de pesquisa universitários, a maioria dos quais não tinha ideia de que estavam trabalhando para a CIA. Mas O’Neill nunca foi capaz de provar qualquer relação entre Manson e o MKUltra, como admite Morris: estabelecer causalidade entre essas coisas é uma coisa completamente diferente e poderia decair muito rápida e facilmente em ficção imaginativa, afirmou.

O que sobra, então: A esperança era colocar o público na minha posição de pensar sobre essas coisas, talvez não fornecendo respostas tão claras e definitivas para perguntas, mas fornecendo uma plataforma na qual alguém pudesse considerar essas coisas, disse. Uma plataforma epistemológica, que funciona como alicerce para investigar o objeto do documentário e, em segundo grau, o próprio documentário.

E conclui:

Eu acredito que Manson foi programado pelo MKUltra…pode ser provado? Eu não acho. Mas pode ser refutado? Eu não acho que pode ser. Alguém deve fornecer o ceticismo necessário.

4 Nota do Crítico 5 1

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