Bloodshot
Exterminador dos Passados (sem Futuro)
Por Jorge Cruz
“Bloodshot“, a despeito da camada de verniz nerd adicionada à produção, é apenas uma desculpa de Hollywood para continuar lançando filmes de ação que unem um representante respeitável do star system, um cineasta novato e muitos adereços tecnológicos. Adaptando a graphic novel da editora Valliant, o filme traz Vin Diesel no papel dele mesmo, agora sob a alcunha de Ray Garrison. Um homem assassinado logo depois de ver a companheira Gina (Talulah Riley) ser morta pelo vilão Martin Axe (Toby Kebbell). A palavra “vilão” não está aqui à toa. O diretor Dave Wilson, em seu primeiro longa-metragem após vasta experiência no setor de artes visuais de grandes jogos de videogame, extrapola na necessidade de construir um antagonismo. Caricato, o algoz do protagonista surge tresloucado cantando e dançando a clássica “Psycho Killer” dos Talking Heads, o primeiro de inúmeros clichês da primeira metade da obra.
Podemos incluir na lista planos panorâmicos se servindo para que a ação transite em diversos territórios ao redor do mundo, do Quênia à França, passando pela Hungria. Um projeto que exige a montagem de diversas unidades e que, geralmente, faz o orçamento ir nas alturas. No caso de “Bloodshot”, a Sony conseguiu segurar em 45 milhões de dólares, contando muito com a receptividade de um “astro” como Vin Diesel, disposto a aceitar os riscos de uma participação nas bilheterias. Por sinal, o filme se valerá como teste de popularidade do ator – e ele deve estar torcendo para que não passe pela mesma vergonha de Robert Downey Jr. em “Dolittle“, um dos fracassos de 2020 até agora.
Formulaico toda vida, “Bloodshot” não aproveita sua atmosfera hipertecnológica, que o seriado “Black Mirror” se valeu para resgatar um volume considerável de espectadores para obras desta natureza. É um filme que se baseia no modelo conservador de sucesso de médio porte, como boa parte da filmografia de ação de Diesel. Um prólogo ligeiro, uma sequência de diálogos expositivos que nos insere nas invenções futuristas propostas pelos seus criadores e a vingança como desculpa para a aventura começar. Sem esquecer, claro, de uma missão cujas regras serão descumpridas e uma equipe que junta um fortão, uma moçoila e um cara mais parceiro. Não surpreenderá muita gente.
Mesmo diante de um produto feito para as massas em que o medo de errar inviabiliza qualquer ousadia de linguagem e narrativa, há certos pontos em que o filme derrapa, principalmente nos diálogos extremamente constrangedores quando há tentativa de uma comédia inútil. Demora, inclusive, a usar este artifício, nos enchendo de esperança que a bobeira não tomará conta. Sem muitos recursos textuais, é certo que Vin Diesel entregará mais uma interpretação stallônica, com sua dicção tosca.
Quando “Bloodshot” chega na sua metade de tempo de projeção, há um ponto de virada curioso, bem engendrado pela primeira metade – perdão se não renovo minha carteira de nerd há mais de dez anos e, de fato, não sabia a verdadeira origem de Ray Garrison. Essa desconstrução chega perto de uma subversão de gênero e estávamos prontos para esticar o pescoço conforme o interesse pela obra aumentava. Era possível que toda aquela fórmula de filme de ação de apostila fizesse sentido agora que as informações dadas deixassem o espectador ligeiramente perdido. Todavia, isso não avança e a obra segue seu caminho, utilizando uma trilha sonora pouco imersiva (há cenas em que parece que estamos jogando “Criminal Case“, aquele do Facebook) e sequências de lutas e explosões pouco criativas. Muita câmera lenta e clima sombrio para maquiar que o tio Vin já não é mais nenhum garotão.
Quando o protagonista surge como uma espécie de Exterminador do Passado, os efeitos visuais tentam se aproximar da criação de James Cameron em “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final“. Alguns funcionam (assim como certas inserções de cenário em diálogos com a personagem de Guy Pearce), outros são bem abaixo do padrão. Não potencializa suas premissas tecnológicas e ainda se vale de um clímax que extrapola na gamificação, conseguindo ser ainda mais falso do que as sequências mais agudas de “Stark Trek: Sem Fronteiras“. É quase como se Dave Wilson não se sentisse capaz de ir além.
Se os críticos de cinema fossem corretores de seguro, “Bloodshtot” ganharia elogios pela ausência de riscos que corre. Em um momento onde grandes lançamentos são adiados por conta do Coronavírus não seria surpresa se o filme abocanhasse uma fatia maior do que imagina no mercado – o que seria ótimo para as pretensões de virar franquia. À primeira vista, porém, parece mais um “exterminador sem futuro”.