Black
Uma catástrofe xenofóbica
Por Vitor Velloso
Reserva Imovision
Depois do lançamento de “Bad Boys Para Sempre”, aparentemente, surgiu uma curiosidade pela filmografia de Adil El Arbi’s e Bilall Fallah. Com isso, “Black” chega ao Brasil depois de ser lançado oficialmente em 2015. Sem dúvida, um dos piores acontecimentos do ano no streaming brasileiro. O longa é pavoroso, pervertido, fetichista, violento, racista, xenófobo e faz tudo isso acreditando em uma versão de “Romeu e Julieta” onde o espectador é obrigado a assistir um punhado de violência gratuita, estupros contínuos, uma romantização dos crimes cometidos pelos marroquinos e uma representação grotesca dos congoleses. Não há nada que se salve em “Black”. Cada sequência da obra está direcionada para atacar um grupo, romantizar o outro, filmar mulheres sendo violentadas, tortura psicológica, tortura física. É um fetiche criminoso que não tem razão do espectador ficar diante da tela para assistir as atrocidades e gestos explicitamente racistas da produção.
Os marroquinos fazem pequenos furtos, na pior das hipóteses ateiam fogo em uma viatura (sem policiais dentro, claro). Os congoleses estupram qualquer mulher que cruza seu caminho (e o espectador deve assistir ao ato), reage de maneira violenta com qualquer coisa que acontece, são filmados em “planos holandeses”, com contrastes fortes, mostrando sua dominação. Arbi e Fallah filmam com o fetiche de Seidl, sem um terço do talento, torcem pela violência, pelo estupro. A sequência final é a vitória do Estado sobre as “forças do submundo”, com o fim clássico de Romeu e Julieta. Uma tragédia que não pode ser vista em nada, além do financiamento para a feitura do filme. E se o texto é excessivamente categórico, “Black” é mais. A xenofobia é gritante, virulenta, tacanha, repugnante. É assumidamente preconceituoso. Transfere isso na representação e na forma.
Não existe hipocrisia pior que apelar para o argumento de “escolha estética” para ser racista e xenófobo. A forma é o conteúdo. E tudo aqui está concentrado nessa ideia de representação de um grupo animalesco e violento de um lado, do outro, um grupo que pratica atos criminosos mas com o aval da produção. A fotografia é mais suave, o plano é mais aberto, o ambiente “mais leve” e os crimes, como já descrito anteriormente.
“Uma mão liga o rádio para abafar o som. Três homens negros surgem na tela à frente de uma vidraça colorida (como de Igreja). No próximo plano, uma mulher com a roupa rasgada e a mão tapando sua boca. Sob uma luz vermelha, homens berram para a mulher que é estuprada por diversas pessoas, nenhuma das falas possui legenda. O espectador convive com quase três minutos dessa cena.”
O leitor deve ter uma noção de que grupo protagoniza essa cena. Aliás, todas as cenas que envolvem os congoleses são assim, locais fechados, pouca luz, contrastes fortes e violência.
Apenas uma vez no site disse que um filme não merecia uma crítica. Esse merece uma denúncia. Não é possível que filmes brasileiros sofram para conseguir uma distribuição e um longa racista e xenófobo de 2015 consiga uma ampla exibição em streaming. É uma exposição gravíssima do completo descuido com o cinema nacional e uma falta de respeito com o espectador brasileiro, que terá no catálogo um longa que se defende na “adaptação” de Shakespeare para construir uma das representações mais catastróficas e criminosas do século XXI.
“Black” é uma grave síntese de como as questões de identidade são representadas no cinema europeu, além de expôr uma falência absoluta da moral na distribuição brasileira. Ta além da moral isso aqui. É caráter.
Que o festival de Toronto era reacionário, todos sabiam, mas estampar com orgulho o trailer do longa no próprio canal, é bastante simbólico. Aliás, os comentários, em sua esmagadora maioria, são em francês e inglês. Se o título do filme expõe o caráter de sua representação, a língua que elogia também. A história está aí para mostrar.
Um desastre completo. Terrível sinal da distribuição nacional. O que separa o filme desse filme de uma lista junto à Riefenstahl, é a origem desse preconceito e seus reacionarismos. Ou a completa indiferença de quem assiste. Ah, vale lembrar que os diretores são belga-marroquinos.