Festival Curta Campos do Jordao

Barba Ensopada de Sangue

Retratos de um passado não visto

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra CineBH 2024; Festival de Gramado 2024

Barba Ensopada de Sangue

O novo filme de Aly Muritiba apresenta ao espectador um universo que transita entre o concreto e uma aura metafísica, desde o desenvolvimento do protagonista Gabriel (Gabriel Leone) até o estabelecimento histórico, e mitológico, regional de Armação (SC). Assim, “Barba Ensopada de Sangue”, baseado no livro homônimo de Daniel Galera, é uma obra que trabalha tanto para construir seu contexto e debater os fantasmas do passado, que não consegue desenvolver seu próprio presente. 

Primordialmente se apresentando como um reflexo histórico da caça às baleias que acontecia na região, a obra se estabelece apresentando um passado sombrio do avô de Gabriel, o Gaudério, a hostilidade das pessoas que residem na região e os causos traumáticos para a população que envolvem essa figura controversa do avô. Porém, esse lento processo de estabelecimento, vai desvelando uma cansativa narrativa sobre os traumas de Gabriel, amores, decepções e obsessões, sem que haja uma ligação concreta com uma ligação sólida entre o protagonista e Gaudério, mantendo-se em um terreno mitológico pouco desenvolvido. Não por acaso, o longa estabelece o foco desse laço na residência, depois em alguns objetos, histórias e quando finalmente parece encontrar um fio para se agarrar, de narrativa oral com um personagem que foi contemporâneo de Gaudério ou base material com uma situação envolvendo uma fábrica que funcionava na região, o filme retorna à estaca zero para desenvolver um romance entre Gabriel e Jasmine (Thainá Duarte), que funciona como um dispositivo dramático para criar tensão direta entre o protagonista e a população local, ainda que esse conflito já fosse uma realidade na narrativa. 

Desta forma, “Barba Ensopada de Sangue” tem dificuldade de estabelecer qual sua perspectiva de desenvolvimento, sendo incapaz de desenvolver todas as frentes que apresenta e inábil para encerrar alguns ciclos. Assim, procura manter a verve fatalista e trágica que apresenta nos primeiros minutos, com um senhor local falando para Gabriel que ele vai morrer ali, em um tom misto de premonição com conselho. De toda forma, quanto mais persegue essa tragédia anunciada e os caminhos da violência inevitável, mais superficial torna-se, justamente por ser incapaz de desenvolver suas frentes dramáticas de forma eficiente, se por um lado o antigo relacionamento de Gabriel aparece para atormentar seu juízo, não há nenhum impacto direto dessa aparição na narrativa, se a questão da fábrica se apresenta como objeto central para o mistério envolvendo Gaudério, ela é apenas uma ponte de intensificação do conflito com o poder local, e essa nota se repete ao longo de toda a projeção. Ou seja, o filme tem dificuldade de conseguir progredir com o drama de seu personagem, por uma falta de diretriz no desenvolvimento de todos os elementos que vão se apresentando na narrativa. A consequência disso é um longa que parece disperso com o passar do tempo e apesar de ter uma série de blocos para serem trabalhados, se perde ao perseguir um ideal fantasmagórico e mitológico que torna-se frágil pela ausência de perspectivas distintas ou mesmo histórias que tornem esse mito “Gaudério” mais complexo na trama. 

Então, mesmo que a direção do Aly Muritiba seja capaz de traduzir essa crescente tensão entre um fantasma não visto e uma pessoa que caminha deliberadamente para a morte, através de uma espacialização e contextualização local que é eficiente em alguns momentos, o projeto não consegue criar a sensação de progressão direta, se apegando em pontos que atrasam mais que auxiliam. O mesmo acontece com a fotografia de Inti Briones, capaz de criar dois pólos de tensão distintos, entre o dia e a noite, como algo que se aproxima de Gabriel, uma espécie de presságio, mas que também encontra esses entraves. 

Por fim, “Barba Ensopada de Sangue” termina cambaleando e vacilante quanto à própria perspectiva de uma tragédia familiar assombrada pelos feitos não registrados e histórias contadas pela metade. Aliás, é necessário mencionar que além da fisicalidade e ameaça física de Leone na tela não convencer, sua barba é um elemento de constante distração para o espectador que procura a imersão em uma trama interessante, mas com desenvolvimento fragmentado. 

3 Nota do Crítico 5 1

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