Bad Boys para Sempre
Os Canalhas Também Envelhecem
Por Jorge Cruz
“Bad Boys para Sempre” chega ao cinemas chamando a atenção pelo intervalo de quase vinte anos entre o segundo filme da franquia, “Bad Boys II” (2003) e esse. A produção não teve dificuldades em recuperar o orçamento de 90 milhões de dólares nas primeiras semanas de exibição nos cinemas dos Estados Unidos, onde já arrecadou mais de 120 milhões. Ao redor do globo, o lucro já chega a 95 milhões. Para dar algum sentido à sua existência, a Sony Pictures congestionou a obra com três roteiristas, a fim de amarrar o que seria a aposentadoria da carismática dupla formada por Mike Lowrey (Will Smith) e Marcus Burnett (Martin Lawrence). A premissa denominada “última missão” é a mesma utilizada em “Máquina Mortífera 3“, que terminaria uma trilogia em 1992, antes de ser ressuscitada em 1998.
Aliás, se compararmos o orçamento de “Bad Boys para Sempre” e “Máquina Mortífera 4” – lançado há vinte e dois anos – podemos entender como o mercado cinematográfico deixou de girar em torno de obras de ação explosiva. O longa-metragem estrelado por Mel Gibson e Danny Glover custou absurdos 140 milhões de dólares, mais de 50% a mais a produção de 2020. Por óbvio que encontrar Martin Lawrence em baixa no mercado e Will Smith bem mais propenso a se divertir do que ganhar dinheiro ajudou a enxugar. Todavia, o que se vê nas mais de duas horas do filme é um empenho dos astros em entregar um trabalho digno.
Uma das dúvidas que pairavam antes de assistir “Bad Boys para Sempre” é como delicados temas seriam tratados nessa terceira obra da franquia. Há, de fato, uma preocupação em afastar a misoginia e a objetificação feminina, apesar das personagens serem tão unidimensionais quanto se observa em longas-metragens do mesmo estilo. Na parte final há uma estereotipização com o objetivo de reforçar o grande antagonismo da obra. Não chega a ser tão exagerado quanto o realizado em “Zombi Child“, por exemplo. Da mesma maneira, a eleição do México como “nação-vilã” da Hollywood atual é retratada com menos reducionismo do que o equivocado “Rambo 5: Até o Fim“, mas só um pouco menos. A negritude dos bad boys parecia que renderia momentos mais críticos, o que não se viu nos outros filmes. De maneira promissora, a cena inicial prometia meter o dedo nessa ferida, com o racismo que atinge os protagonistas mesmo ocupando uma relação de poder. Ledo engano. Fica apenas ali essa camada menos divertida, porém mais necessária.
Rever as produções anteriores serve apenas para efeito de construção das personagens. Marcus é o típico homem fragilizado, que imputa à esposa a pecha de mandona para justificar suas fraquezas. Já Mike é o solteiro com convicção, que tem orgulho em dizer que há décadas não se apaixona. A chegada da idade faz com que a interação entre eles seja mais óbvia: enquanto o primeiro quer se dedicar mais à família, o segundo começa a sentir os efeitos da velhice, uma vez que virou o tio da turma. Observa-se, mesmo nessa ambientação simples, uma preocupação em se criar crises relevantes, evitando a diversão vazia comum aos filmes de ação. Não há, de igual forma, grandes problemas de representações. A conclusão de “Bad Boys II”, por exemplo, mostrava os “heróis” praticando uma espécie de mini-genocídio atropelando as casas de uma favela. Desta vez, resta saber se de maneira acidental ou consciente, convenciona-se que não há vidas que valham menos do que outras.
A estética da violência se adapta aos novos tempos. Enquanto “Bad Boys II” pulverizava sanguinolência e escatologia do início ao fim, essa continuação usa o padrão do momento, qual seja, o da escalada, com as representações surgindo de forma crescente. Visualmente, os drones pintam e bordam, como não poderia deixar de ser. Porém, as câmeras nos coletes da equipe abrem uma possibilidade pouco explorada. Quando os diretores Adil El Arbi e Bilall Fallah as utilizam há uma experiência bem interessante. Não há nada tão constrangedor quanto o “sexo entre ratos” do filme de 2002, mas há algumas situações forçadas. Quando tenta se socorrer no drama, não há sustentação. Lawrence não convence quando esse elemento lhe é exigido, ao contrário de Smith. Podemos destacar também o uso da moral religiosa incutida em Marcus e que será subvertida e desbundada com o passar do tempo. Uma construção feita a favor da diversão, sem correr riscos de ofender. Todavia, “Bad Boys para Sempre” ganha força de verdade quando traz para a si o mote da vingança.
Não há preocupação em tirar os elementos da saga de lugar porque eles ainda funcionam. Miami continua sendo um território que une latinos e gringos, hip hop e reggaeton – onde a praia cura tudo, tal qual sua prima mais jovem, a Barra da Tijuca. Não há nada que orbite a obra que não se paute no dinamismo, seja a montagem ou a trilha sonora. Isso cria até uma situação anacrônica. O ponto de virada do longa-metragem vem carregado de certa carga dramática, que resta prejudicada pela maneira como Arbi e Fallah não abandonam em nenhum momento as técnicas do cinema de ação. Um diálogo cheio de emoção não surte efeito, pois parece pinçado de qualquer cena que Guy Ritchie dirigia nos final dos anos 1990.
A trama avança para uma conclusão que prometia ser carregada de xenofobia. Se há representações questionáveis, não há algo tão desabonador na obra. Da mesma forma não se aposta na vendeta desproporcional que Rambo se vale na obra já citada, fator que torna a última incursão de Sylvester Stallone pela personagem deplorável. Acaba que se vislumbra a possibilidade de tratar algumas questões problemáticas, tanto no antagonismo feminino quanto nas relações familiares – mas isso demanda certo esforço que quase ninguém estará disposto a fazer durante uma sessão do filme. Contudo, elas estão lá.
Por outro lado, o roteiro cumpre algumas cotas comuns ao gênero. Há um momento “missão impossível” e uma espetacular perseguição e destruição de carros. O cinema norte-americano não consegue se livrar da jornada do herói, então a solução encontrada foi dividir entre os protagonistas algumas fases, eis que não faria sentido todas elas se apresentarem em face da dupla. Isso deixa no espectador a sensação de que a obra é bem fechada, coerente – agradável de assistir, até. Porém, quem faz parte do público que se incomoda com uma narrativa formulaica, achará “Bad Boys para Sempre” apenas uma perda de tempo.